Sochi e Putin, jogo de czar

Vladimir Putin não esconde que a realização dos Jogos Olímpicos de Inverno (JO) em Sochi, que decorre de hoje até dia 23, visa demonstrar que o país por si dirigido é capaz de realizar os objectivos mais ambiciosos, mesmo que para isso se tenha de gastar meios incalculáveis.

“As dificuldades apenas nos unem ainda mais, dão um forte estímulo para mudar a situação e provar que a Rússia é capaz de resolver quaisquer tarefas, alcançar com êxito os objectivos mais ambiciosos”, declarou o Presidente russo na abertura da 126.ª sessão do Movimento Olímpico Internacional, realizada na véspera da abertura dos Jogos.

Os órgãos de informação controlados pelo Kremlin, principalmente os televisivos, criam uma enorme onda de patriotismo e aos atletas russos apenas se exige uma coisa: “Vitória!”. Um dos participantes nos JO de Sochi declara num curto filme de publicidade televisiva: “Iremos lutar pela vitória até à última gota de sangue”.

Moscovo tenta minimizar o facto de dirigentes de países importantes como Estados Unidos, França e Inglaterra se terem recusado a participar na cerimónia destes jogos (apesar de ter alimentado uma controvérsia ao proibir a entrada de iogurtes para a delegação norte-americana).

Espectador só com passaporte

O receio do terrorismo é um dos maiores problemas para os organizadores desta prova. O Kremlin tomou medidas nunca vistas para evitar qualquer ataque terrorista durante as competições. Com Sochi vizinha de regiões instáveis do Cáucaso do Norte russo, as autoridades concentraram na cidade, segundo várias informações, de 50 a 100 mil agentes policiais.

As forças da oposição russa não deverão criar problemas, nem manchar o ambiente com protestos semelhantes aos que ocorreram no Brasil durante a Taça das Confederações 2013. Além de a oposição estar muito dividida e não ser numerosa, as autoridades criaram o ‘passaporte do adepto’ para evitar a presença de indesejáveis.

“Se você compra, por exemplo, um bilhete para o hóquei, patinagem artística ou biatlo, deve levá-lo ao Serviço Federal de Segurança (FBS, ex-KGB) ou entrar na sua página e lá está um ‘passaporte do adepto’ especial; vão investigar se você é seguro e poderão dar ou não esse passaporte”, revela Boris Nemtsov, um dos líderes da oposição russa.

Este político denunciou casos em que activistas dos direitos humanos russos foram impedidos de assistir às competições pelo FSB.

Manifestações arco-íris

Outro problema que poderá borrar a pintura dos JO de Inverno é a campanha contra os gays que tem lugar na Rússia. Vladimir Putin prometeu que ninguém será discriminado e muito menos perseguido pela sua orientação sexual, mas não poderá evitar, por exemplo, que algum atleta estrangeiro aproveite esta prova para manifestar a sua solidariedade com as minorias sexuais russas.

Mas tudo deverá decorrer às mil maravilhas e nada na Rússia deverá desviar as atenções de Sochi. Segundo a imprensa russa, que cita um telegrama oficial, os mineiros foram proibidos de realizar trabalhos com explosivos e outras operações perigosas hoje para “evitar situações de emergência no dia da abertura dos Jogos… importante acontecimento histórico internacional”.

O Presidente russo não conseguiu evitar críticas à organização dos Jogos Olímpicos de Inverno, principalmente no que diz respeito aos custos. Putin anunciou que a sua iniciativa custou 214 mil milhões de rublos (cerca de 5 mil milhões de euros), mas Boris Nemtsov publicou um relatório que mostra que o preço real foi de cerca de 25 mil milhões de euros, fazendo de Sochi as Olimpíadas mais caras de toda a história. Outro documento, do opositor Alexei Navalny, refere que só os 50 km de estrada e de ligação ferroviária que ligam Sochi à estância de esqui de Rosa Khutor custaram 6,4 mil milhões de euros.

Resta esperar pelo fim da competição para ver se Putin atingiu os seus objectivos. Mas, independentemente dos resultados, os analistas políticos esperam que a política interna e externa irá endurecer muito depois de dia 23. É que, depois dessa data, já ninguém poderá boicotar os Jogos.

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