Testamento de Salgueiro Maia pede campa rasa

Em 1989, altura em que lhe foi diagnosticado um cancro, o capitão de Abril Salgueiro Maia decidiu fazer um testamento. Os seus desejos eram dois e eram simples. Um foi cumprido, o outro ainda não.

Escrito à mão no dia 28 de Junho de 1989, em Santarém, o texto, a que o SOL teve acesso, diz claramente que quer ser enterrado em Castelo de Vide sem honrarias de Estado e sem grandes gastos de dinheiro – o que pode contrariar algumas pretensões actuais de trasladar os seus restos mortais para o Panteão Nacional. “Determino que desejo ser sepultado em Castelo de Vide, em campa rasa, e utilizar o caixão mais barato do mercado, o transporte do mesmo deve fazer-se pelo meio mais económico, de preferência, em viatura militar”, esclarece. Sobre o funeral, pediu ainda “somente a presença de amigos”.

Salgueiro Maia viria a morrer três anos depois, no mês de Abril, e no enterro foi entoada a Grândola, Vila Morena, conforme vontade também expressa antecipadamente pelo capitão de Abril.

“Está enterrado numa campa rasa no talhão dos combatentes. Pusemos apenas uma lápide”, afirmou ao SOL o presidente da Câmara de Castelo de Vide, António Pita (PSD).

O coronel Matos Gomes, ex-capitão de Abril que conheceu Salgueiro Maia aos 12 anos e que o acompanhou durante toda a carreira militar, conhece bem o testamento. “O que escreveu é o que ele é e o que ele pensava. A sua vontade foi muito bem expressa”, afirmou ao SOL, considerando, contudo, que a família é que deve decidir pois estão dois valores em jogo: “A vontade do próprio expressa em testamento e o direito da sociedade em ter um seu representante excepcional no lugar dos portugueses excepcionais que é o Panteão”. A viúva do militar, Natércia Maia, esteve incontactável esta semana.

Museu ainda por criar

A proposta de trasladar Salgueiro Maia para o_Panteão foi lançada há duas semanas pelo socialista Manuel Alegre como forma também de assinalar o 40.º aniversário do 25 de Abril. Já outro capitão de Abril, o coronel Sousa e Castro considera que o desejo de Salgueiro Maia “foi cumprido” em 1992 e que a trasladação seria “uma situação diferente”. “Seria uma atitude adequada se se quisesse homenagear o 25 de Abril”, disse ao SOL.

O outro desejo expresso naquele testamento, que se encontra depositado nos arquivos da Câmara Municipal de Castelo de Vide, diz respeito à constituição de um museu, projecto que, ao fim de 20 anos, ainda não existe. “Do meu espólio em ornamento e artigos correlativos, tudo aquilo que minha mulher e filhos não desejem conservar, desejo que seja património de Castelo de Vide”, lê-se.

António Pita diz que a autarquia já recebeu um espólio com armamento e fardas e que, no seguimento de um protocolo assinado em 2002 com o Governo, já dispõe de um imóvel e de um projecto da autoria de António Baptista Pereira, mas que o Estado central “ainda não cumpriu a sua parte” que era a de o integrar na rede nacional de museus para lhe dar dimensão nacional.

Esta semana, a presidente da Assembleia da República e os líderes parlamentares começaram a discutir as comemorações dos 40 anos do 25 de Abril. Integrada nesse programa, está a trasladação dos restos mortais da escritora Sophia de Mello Breyner Andersen para o Panteão Nacional.

Assunção Esteves apresentou algumas sugestões. Uma delas é a exibição das chaimites na Assembleia da República. Este símbolo da revolução de Abril representa o domínio do poder militar sobre o poder político e a ideia motivou algumas reservas entre os deputados, que decidirão daqui a duas semanas.

helena.pereira@sol.pt