Sobre As Viagens de Gulliver opinou: “Se pensarmos em homens grandes e em homens pequenos, não é difícil imaginar o resto”. Pouco depois, parodiava a degenerescência do parlamento britânico e criticava o imperialismo a partir do relato da suposta viagem de um neto do capitão Gulliver até Lilipute. Com erudição e imaginação eloquentes, Johnson demonstrou que “a crítica é uma forma de estudo em que os homens se tornam importantes e formidáveis com pouca despesa”. A frase lê-se na capa de Páginas Escolhidas, a pequena antologia que a Quetzal agora lhe dedica.
O legado mais aclamado de Samuel Johnson é um monumental dicionário da língua inglesa (cheio de humor e referências literárias), uma edição de Shakespeare (onde lamenta o hermetismo da linguagem do dramaturgo) e quatro volumes sobre Vidas dos mais Eminentes Poetas Ingleses. A memória da sua personalidade invulgar (sofria de síndrome de Tourette e era, digamos, um personagem) sobreviveu à leitura (hoje rara) da obra e deriva de A Vida de Johnson, a famosa biografia de James Boswell. Todavia, acedemos ainda ao seu melhor nas páginas de ensaio: morais mas nem por isso paternalistas ou puritanas, antes cheias de argúcia e elegância, entretenimento e instrução.
Harold Bloom aponta Johnson como o “crítico canónico”, autor de inigualável “literatura de sabedoria”. De facto, as suas lições tratam da vida como ele a vê através da experiência e dos homens como ele desejava que fossem. Nele, as teorizações têm uma composição dramática e lêem-se como narrativas. Quer escreva sobre as cartilhas do jornalista ou do crítico, abutres, virtude e epitáfios, quer contra a prisão dos devedores/desempregados, Samuel Johnson expõe a sua opinião com a grande modéstia de quem se reconhece um mero ensaiador de visões do mundo.
Páginas Escolhidas
Samuel Johnson
Quetzal
160 págs, 14.40€