A legislação sobre a internet já é considerada restritiva: em 2007, foi aprovada uma lei que permite aos tribunais bloquear sites com conteúdos pornográficos ou que ofendam o fundador da Turquia moderna, Kemal Atatürk. Segundo o New York Times, o YouTube ficou indisponível durante ano e meio. No dia 5, o Parlamento – dominado pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), do Governo – votou alterações de fundo a esta legislação.
A autoridade que regula e supervisiona as telecomunicações no país tem agora poderes para bloquear sites sem recorrer aos tribunais. Mais: pode exigir às empresas que fornecem o acesso à internet que facultem dados sobre o histórico dos utilizadores nas redes sociais. A navegação do internauta tem de ficar guardada por dois anos.
No Verão, as manifestações contra a destruição do Parque Gezi, em Istambul, foram organizadas sobretudo através do Facebook e do Twitter – redes sociais que o primeiro-ministro apelidou então de “flagelo”.
Recep Erdogan e o Governo defendem que a legislação existe para impedir violações de privacidade e negam acusações de censura.
A pretensão de Istambul ser admitida na União Europeia levou um balde de água fria. “O público turco merece mais informação, mais transparência, não mais restrições”, criticou o porta-voz do comissário para o Alargamento.
Apenas o Presidente turco pode reverter este cenário, se vetar as alterações.
Corrupção e Estado paralelo
A mão pesada do AKP na internet surge após se ter tornado pública uma investigação sobre um escândalo de corrupção que envolve empresários, membros do Governo e seus familiares. Às fugas de informação – excertos de escutas telefónicas surgem em sites – que o primeiro-ministro acusa de serem orquestradas, Erdogan responde com uma ‘limpeza’: centenas de polícias e procuradores estão a ser alvo de processos, transferências, etc. O governante diz-se vítima de um “Estado paralelo”.
Essa força tem um rosto, que Erdogan já identificou: o do seu ex-aliado, o islamista Fethullah Gülen, que vive na América. Gülen lidera o movimento Hizmet, especialmente activo na educação, com escolas islâmicas na Turquia e no estrangeiro. Os seus detractores alertam que esta rede é idêntica a um culto, formando milhares de fiéis que se encontram em todas as esferas da sociedade turca – da política aos meios de comunicação, do sistema financeiro à Polícia e Justiça.
No final de 2013, Erdogan mandou fechar escolas privadas do Hizmet. Semanas depois, surgiam as escutas telefónicas em sites e rebentava o escândalo de corrupção, que envolve subornos para projectos imobiliários e já levou à detenção de mais de 50 pessoas.