Enquanto em Portugal se discute a legitimidade das praxes, tema que entrou na ordem do dia depois da tragédia no Meco, que provocou a morte de seis alunos da Universidade Lusófona, no resto da Europa a tendência é a gradual proibição da prática no ensino académico. No Reino Unido, por exemplo, é completamente proibido desrespeitar física e intelectualmente qualquer aluno – em vez disso, os caloiros são recebidos com uma Welcome Week (semana de boas-vindas), marcada por jogos, concursos, festas temáticas ou actividades como leitura de poesia, grupos de teatro ou desporto.
Licenciado em Língua Inglesa e Estudos Interculturais, foi esta realidade que Rui Teixeira encontrou quando iniciou a sua vida académica, em 2003, na Universidade de Cambridge. “Por ser português, fui encaminhado para o departamento de estudantes estrangeiros e, ali, fui apresentado a alunos veteranos que me fizeram uma visita guiada à universidade e me convidaram para festas temáticas com o objectivo de facilitar a minha integração”, conta ao SOL por telefone a partir de Londres, onde vive actualmente.
Antes de se mudar para Cambridge, Rui frequentou o ISCTE, em Lisboa, e aí sim foi praxado. “Foi uma coisa inofensiva, só me pintaram a cara, mas não concordo com as praxes porque há muitos abusos e humilhações”, diz, considerando a Welcome Week britânica uma forma “muito mais eficaz” de integração dos novos alunos. “A praxe é simplesmente um conceito que não existe aqui. Se alguém fizesse isso corria o sério risco de ser expulso da universidade ou de ter uma queixa na Polícia”.
Este é um cenário idêntico ao dos Estados Unidos. Dos 50 estados norte-americanos, 44 consideram a praxe ilegal, havendo legislação própria sobre o assunto. Segundo Peter Pereira, fotojornalista luso-descendente de New Bedford, antigo aluno da Universidade do Massachusetts em Engenharia Informática, “nos Estados Unidos é impensável acontecer algo como o que se passa nas universidades portuguesas. Talvez aconteça em academias militares ou desportivas, mas nunca entre estudantes universitários”.
Apesar desta convicção, Peter admite que essas práticas possam ocorrer em sociedades secretas como a Skull and Bones (que foi retratada no filme Sociedade Secreta, de 2000, e da qual se diz ser membro George W. Bush), da Universidade de Yale. Ainda assim, diz Peter, “como é uma coisa ilegal, o que acontece é completamente off the record e, por isso, ninguém sabe o que realmente se passa”. Tal como no Reino Unido, a pena para quem praxa é a expulsão da universidade.
A tendência para acabar definitivamente com recepções mais hostis a caloiros tem ganho cada vez mais adeptos na Europa, o continente onde a prática é mais comum. França, porém, incluiu em 1998 a ilegalidade da praxe no seu Código Penal. Quem desrespeitar a lei pode ter de enfrentar uma pena de prisão de seis meses ou de pagar uma multa de 15 mil euros.
Com os olhos postos em França, a vizinha Espanha discute há anos a possibilidade de introduzir na sua legislação a proibição oficial da praxe. Esta intenção tornou-se mais urgente desde 2011, conta o El País num artigo de Setembro, quando três estudantes universitários de Santiago de Compostela foram parar ao hospital depois de lhes terem atirado com um detergente corrosivo para os olhos, correndo o risco de cegar. À semelhança do que acontece em Portugal, a militarização das praxes é comum em Espanha, com os veteranos, entre outras acções, a obrigarem os caloiros a beber álcool até caírem para o lado, a depilarem os rapazes com bandas de cera ou a tirarem a roupa aos alunos e a obrigá-los a andar semi-despidos.
Do outro lado do Atlântico também se verificam práticas deste tipo. No Brasil, por exemplo, onde a praxe se chama ‘trote’, já aconteceram situações semelhantes à tragédia do Meco e que terminaram com a morte de estudantes. O caso mais mediático deu-se em 1999, quando um aluno de Medicina da Universidade de São Paulo morreu afogado na piscina da instituição. De acordo com a Folha de São Paulo, as circunstâncias exactas de sua morte ainda permanecem por apurar.