Venezuela tem um novo (anti)herói

O Presidente venezuelano Nicolás Maduro ganhou um novo inimigo. E Leopoldo López ganhou protagonismo internacional como o rosto da oposição ao herdeiro do chavismo.

López – procurado pela Polícia por incitamento à violência, após as manifestações de dia 12 em Caracas, nas quais três pessoas morreram – decidiu entregar-se às autoridades na terça-feira. Mas o dirigente do partido Vontade Popular fê-lo perante um público de milhares, convocado pelas redes sociais, que respondeu ao apelo da campanha de desobediência civil chamada A Saída.

«A nossa juventude não tem emprego, não tem futuro porque este modelo económico falhou», discursou junto à estátua do herói da independência cubana José Martí. Apelando à luta pacífica, o economista de 42 anos, licenciado em Harvard, entregou-se de seguida às tropas da Guarda Nacional. Alegou que não tinha «nada a esconder», apesar de deixar claro que não confiava no sistema judicial.

Para a multidão que assistiu, nasceu ali um herói. Ontem, foi confirmada a prisão preventiva de López, na penitenciária de Ramo Verde, nos arredores de Caracas.

A coligação da Unidade Democrática (MUD na sigla espanhola), da oposição, está solidária com o detido e as manifestações. O MUD agrega também o partido Primeiro Justiça, liderado por Henrique Capriles – até recentemente o homem-forte da oposição. Duas vezes candidato presidencial derrotado (contra Chávez e Maduro), perdeu protagonismo ao desistir dos protestos na rua, modus operandi a que López, considerado mais radical, deu novo impulso.

E assim, ainda antes de completar o primeiro ano de mandato como Presidente, Nicolás Maduro enfrenta a maior contestação à sua autoridade. Desde dia 12, milhares de venezuelanos, com os estudantes na vanguarda das manifestações, têm marchado nas principais cidades, protestando contra o desemprego, a escassez de bens de primeira necessidade, a inflação galopante (já passou os 55%), a criminalidade.

Gás lacrimogéneo, canhões de água, pedras, barricadas incendiadas formam o palco das manifestações e das contramanifestações dos colectivos – milícias criadas pelo falecido Presidente Hugo Chávez. Pelo menos seis pessoas morreram, dezenas ficaram feridas.

Na terça-feira, Maduro anunciou a destituição do chefe do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), há um mês no cargo. Imagens de elementos desta Polícia política a disparar contra manifestantes em Caracas contrariam a posição do Governo, que negou haver elementos policiais armados, segundo noticiou esta semana o El País. Nesse protesto morreram duas pessoas. O Presidente declarou aos meios de comunicação que o Sebin desobedeceu às suas ordens.

O delfim de Chávez, no entanto, não desarma. No mesmo dia em que Leopoldo López se entregou às autoridades, o ex-sindicalista Maduro falou num comício para centenas de trabalhadores da petrolífera estatal. Ao contrário da manifestação de López, a do Presidente teve direito a transmissão televisiva.

Infecção fascista

Rotulando os líderes da oposição de fascistas, Maduro disse que «o fascismo é uma infecção na Venezuela e no mundo». E apontou a mira a Washington, acusando os EUA de se infiltrarem nas universidades privadas da Venezuela para fomentar a sublevação entre os estudantes. Foi dada ordem de expulsão a três diplomatas norte-americanos – «Ianques, vão para casa!», ordenou no comício.

A Administração Obama refutou as acusações, ONG e outros chefes de Estado – como os da Colômbia e Chile – pediram que Caracas respeitasse a oposição. «Já chega de pessoas a interferirem nos problemas da Venezuela», rebate Maduro. Entre os que o apoiam estão o Partido Comunista – incluindo o português, que enviou à Embaixada da Venezuela uma missiva solidária – ou o Presidente sírio. Al-Assad desejou sucesso ao homólogo venezuelano e revelou que os dois países estão unidos pelo facto de enfrentarem «uma tentativa de criar o caos, de estender a influência do domínio estrangeiro e de explorar as suas riquezas».

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