No nicho da alma

Para Nicolas Humphrey, a consciência é uma encenação do homem para consigo mesmo. A alma e a magia assistem de camarote.

Peço-lhe que faça um pequeno exercício. Feche os olhos e tente captar o que está a pensar, em termos exactos, neste exacto momento. Descobrirá que, como sugeriu James Joyce, “o pensamento é o pensamento do pensamento”. O que pensamos que pensamos esbarra com a nossa consciência fenoménica, aquela que se confunde com as coisas à nossa volta. Ela só é traduzível pela linguagem que, por sua vez, é sempre uma encenação de um teatrinho interno, dentro da cabeça de cada um. Está tudo explicado no ensaio Poeira da Alma: A Magia da Consciência, de 2011, recém-editado pela Gradiva.

Nicholas Humphrey (n. 1943), professor emérito da London School of Economics, criou a teoria da “função social do intelecto” em 1976, a partir da qual se desenvolveu a psicologia evolucionista. Ecléctico, o psicólogo inglês estendeu depois o campo de trabalho, do estudo dos gorilas das montanhas, com Dian Fossey, no Ruanda, até à edição da prestigiada edição inglesa da revista literária Granta ou às mais recentes investigações sobre o efeito placebo. A sua tese mais recente trata da evolução da espiritualidade. E propõe: a espiritualidade situa-se nesse outro lado da fronteira da razão, onde a magia e o mistério fabricam a nossa imagem interna. Ela existe no “nicho da alma”.

Nicholas Humphrey escreve como um cientista erudito, mas para o comum dos mortais e, desta vez, na perspectiva de uma cientista extraterrestre que viesse de Andrómeda para investigar os homens. Por isso, Poeira da Alma recorre às neurociências e à teoria da evolução, mas também à literatura e à filosofia, para narrar uma história do “problema difícil da consciência”. Ou seja, para justificar como o humano, composto de matéria física, “pode experienciar sentimentos conscientes”. Crente ou não crente, o leitor será cativado pela fluidez com que se argumenta que a consciência não passa de “uma ficção do impossível”, uma adaptação progressiva para sobrevivermos às agruras da vida e superarmos o medo da morte. No fim do caminho, a religião, enquanto efeito psicológico da consciência, foi adoptada de várias formas, numa espécie de teatro mágico de nós mesmos.

Poeira da Alma: a magia da consciência
Nicholas Humphrey
Gradiva
296 págs.
20,5 euros

online@sol.pt