A calçada à portuguesa ‘não é um bom pavimento’?

Em consequência do Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa, que prevê até 2017 um total de cem acções, está entre elas, segundo bem interpreto, a eliminação da calçada à portuguesa fora dos centros históricos.

De acordo com a imprensa, o vereador dos Direitos Sociais, João Afonso, refere que o plano não pretende a remoção da calçada, mas afirma também que “a calçada não é um bom pavimento, pois não assegura as melhores condições de acessibilidade” e que “só é o melhor se a Câmara tiver condições para o manter e em determinados sítios”. Mais adiante, sugere/determina que se devem tentar “novas soluções” nas obras em curso.

Se este enunciado não é uma sentença de morte para este pavimento, o que o é então? O que é um bom pavimento para Lisboa? O que é um pavimento confortável?

Há cerca de dois anos, foi entregue um estudo na Câmara de Lisboa para uma praça e zona pedonal em Belém, cujo pavimento proposto era em mosaico de calçada de vidraço; uns meses mais tarde, há uma informação oral no sentido de se mudar a calçada para um “pavimento mais confortável” (sic), sem especificar qual, e sem uma referência explícita e corajosa de que aquele projecto seria liminarmente chumbado. Pressenti desde logo que estava em marcha um ‘comboio’ carregado com outras mercadorias.

Ciclicamente, assistimos a que indústrias várias (vulgarmente designadas por ‘lóbi do betão’), tentem colocar no mercado os seus pavimentos, servindo-se de múltiplas teorias e adequados mensageiros. Estamos numa economia de mercado, portanto é natural e legal publicitar e vender lajetas de cimento pré-fabricadas ou metros cúbicos de betão, mas o que está em causa é saber se devemos substituir um pavimento em calçada de pedra, com as virtualidades que se lhe conhecem, por umas lajetas de betão, ou por extensões de betuminoso, betonilha, saibro ou gravilha? O que está em causa é saber se a Câmara de Lisboa deve assumir um determinismo estético a favor de pavimentos ditos ‘modernos ou confortáveis’ (ideias vagas como convém!) em substituição da antiga e característica calçada?

O que nos deve preocupar são as ‘cartilhas para o bem comum’ a chegarem de mansinho, com meias verdades e acções definitivas; acções definitivas porque, a partir de agora, será quase impossível fazer aprovar um projecto com calçada, depois destas ‘sessões de esclarecimento’ com muita chantagem emocional à mistura. A calçada não é para velhos!… Ou será o país?

O que ganhamos, afinal, com estas ‘novas soluções’ de pavimentos? Porque é que estes políticos apostam tão forte na diabolização da calçada? Estão preocupados consigo? Comigo? Vamos escorregar e cair? Infelizmente, só no desemprego!

E se abordássemos os custos de execução, de manutenção e os pavimentos ambientalmente sustentáveis? Os dados são muito claros e inequívocos: a calçada à portuguesa está sempre com uma excelente vantagem em todos estes indicadores.

Admito que se utilizem vários pavimentos, de acordo com a liberdade criativa de cada um, mas o que não é compreensível é que a Câmara de Lisboa desvalorize, estética e funcionalmente, a calçada à portuguesa, abrindo caminho para a utilização de outros pavimentos, em regra geral mais onerosos, menos duráveis, incaracterísticos, energética e ambientalmente adversos.

“Pedras brancas e pretas, os opostos que se complementam na arte do chão de Lisboa e que iniciaram uma forte tradição, presente hoje em quase todas as ruas, imagem de marca indissociável da Cidade, e que a Câmara Municipal de Lisboa preserva e divulga” (António Costa, presidente da Câmara de Lisboa).**

Será também esta declaração de António Costa uma “irrevogável” defesa da calçada? Não quero acreditar nisso.

*Arquitecta Paisagista

**Tapetes de Pedra/Stone carpets/José Monterroso Teixeira… (et al.). Rio de Janeiro: 19Design, 2010