A ideia surgiu durante um acampamento de jovens baptistas, que Jónatas frequenta desde a adolescência. Organizado pelo tio Jónatas (há vários na família, diz), pediram-lhe para escrever sete canções sobre o Livro de Eclesiastes, do Velho Testamento, correspondentes a cada uma das noites no pinhal. O músico respondeu à solicitação com entusiasmo e esse sentimento prolongou-se aos restantes participantes. “Começaram a pedir-me que gravasse os temas em disco, de forma a que pudessem levar as músicas com eles para terem uma recordação daqueles dias”.
Apesar de não as ter escrito a pensar no lançamento de um álbum, Jónatas gostou imediatamente da ideia, mas quis ir mais longe: “Em vez de ser apenas música para consumo próprio, achei que era interessante que o disco tivesse um efeito prático na vida de alguém, até porque o Livro de Eclesiastes fala do valor da vida, das decisões que tomamos, de questões sociais e de justiça”. Em conversa com o tio, percebeu que podia fazer a diferença em Rabo de Peixe, vila na ilha açoreana São Miguel, onde dezenas de crianças faltavam à escola porque não tinham o que comer. “O Projecto Social de Rabo de Peixe, que financia senhas de refeição na escola a várias crianças, foi iniciado por dois professores, o Samuel e a Carla. O meu tio conhecia-os, falou-me deles e achei que podia potenciar o que eles já estavam a fazer com o Tudo É Vaidade [nome, também ele, retirado do Livro de Eclesiastes]”. Assim, antes do acampamento terminar, Jónatas conseguiu contagiar os participantes com a sua ideia e quase todos depositaram 5 euros nas suas mãos para ajudar a pagar a gravação do disco. Dois meses depois – com o ‘passa palavra’ e a mobilização de imensa gente – Tudo É Vaidade estava gravado e pronto para gerar ainda mais receitas. “Fizemos uma edição de 1001 discos e esgotámos em três meses. Se tivéssemos no circuito comercial, tinha entrado para os primeiros lugares da tabela de vendas”, brinca o músico, sublinhando que, no primeiro ano, ajudaram 31 crianças a serem alimentadas numa base de almoços diários, no segundo passaram a fasquia dos 50 e neste ano lectivo vão em 71.
O sucesso da primeira iniciativa e a certeza de que querem – o plural é usado por Jónatas por considerar este um projecto colectivo e não pessoal – “ser uma espécie de potenciador de projectos que já existem” levou o Tudo É Vaidade a apoiar o Serve the City Lisboa, uma associação que organiza quinzenalmente jantares comunitários. “Conheci a associação através da minha mãe e irmã e gostei do facto de haver dois tipos de voluntários: os que servem o jantar e os que jantam com os sem-abrigo. Fui jantar algumas vezes e fiquei impressionado com o espírito que se vive ali porque há uma dignidade muito grande. Encontram-se pessoas de todos os sítios, de todos os estratos sociais e a única coisa que as diferencia é o nome”.
A ideia para o segundo disco de Tudo É Vaidade nasceu após um desses jantares. Jónatas já tinha algumas canções novas dentro do espírito que encontrou no Serve the City e resolveu escrever mais algumas. Mais uma vez reuniu um grupo de amigos que, contagiados pelo sentido de solidariedade de Jónatas, gravaram Há Lugar. “Só com o disco já conseguimos pagar dois jantares comunitários [cada um no valor de cerca de 700 euros]”. Mas, tal como o que acontece em Rabo de Peixe, o músico quer que os efeitos de Há Lugar se prolonguem no tempo. Por isso, organizou para o dia 7 de Março um concerto comunitário no Cinema São Jorge, em Lisboa, e chamou para a festa gente como Samuel Úria, Selma Uamusse (Wray Gunn), Domingos Coimbra (Capitão Fausto) e, claro, os restantes membros dos Pontos Negros. O bilhete custa 5 euros, um valor que Jónatas gostava de eternizar como a contribuição individual de apoio a cada um dos projectos Tudo É Vaidade.