A tirada homofóbica de Yahya Jammeh – proferida por ocasião do 49.º aniversário da independência do país, no dia 18 – é apenas mais uma de um chefe do Estado que em 2008 deu um ultimato aos gays para abandonarem o país – ou enfrentarem a decapitação. E junta-se às recentes medidas na Nigéria e no Uganda para reprimir a comunidade homossexual.
A 24 de Fevereiro, o Presidente do Uganda aprovou a lei que condena a prisão perpétua quem tenha relações homossexuais consentidas (o que inclui, pela primeira vez, as lésbicas) e casais do mesmo sexo que vivam maritalmente, além de prever condenações de cinco a sete anos para quem ‘promova’ a homossexualidade. A prática já era ilegal no país e podia ser punida com 14 anos de prisão. O projecto-lei contemplava, inicialmente, pena de morte para alguns actos homossexuais e prisão para quem não denunciasse os seus praticantes.
Em declarações à CNN, Yoweri Museveni apelidou os gays de “nojentos” – especialmente depois de ter sido informado, por um grupo de alegados cientistas ugandeses pagos pelo Governo, que a homossexualidade é um comportamento que se “aprende”: “Distorção genética, era este o meu argumento. Mas os nossos cientistas deitaram abaixo essa possibilidade”.
Luz verde à perseguição
No mesmo diapasão mental, um dia após a aprovação da lei, o jornal Red Pepper parangonava a lista do top 200 de homossexuais ugandeses. A devassa mediática da vida privada não é inédita no país, onde em Novembro de 2010 o extinto tablóide Rolling Stone (sem qualquer relação com a revista norte-americana) publicou um alegado top 100 de gays e lésbicas nacionais, com nomes, moradas e um imperativo “Enforquem-nos”. David Kato, activista dos direitos da comunidade LGBT denunciado pelo jornal, seria espancado até à morte em Janeiro de 2011 – um incidente que a Polícia disse não estar ligado à notícia.
As Nações Unidas e outras organizações alertam para o perigo destas leis justificarem o preconceito e a violência contra a comunidade LGBT, incitando ao ódio e a ‘fazer justiça’ pelas próprias mãos.
A nova legislação terá o dedo de evangélicos americanos como o pastor Scott Lively, que já pregou em terras ugandesas e falou no Parlamento. Numa entrevista na semana passada à rádio NPR, dos EUA, Lively sublinhou que algumas medidas eram “demasiado duras”. Apesar de propagandear contra a homossexualidade, afirmou que nunca apelou “ao ódio ou à violência”. Mas deixou claro: “A sodomia não é um direito humano”.
A Amnistia Internacional não pensa da mesma forma: “Esta lei ofende profundamente e atenta contra os direitos humanos de todos os ugandeses”.
O Banco Mundial fechou a torneira do dinheiro, suspendendo um empréstimo de 90 milhões de dólares destinados à saúde materno-infantil e ao planeamento familiar no Uganda. Jim Yong Kim, presidente da instituição, defendeu num artigo no Washington Post que esta legislação “pode prejudicar a competitividade de um país ao desencorajar as multinacionais a investir”. Vários Estados europeus doadores também anunciaram a suspensão de ajudas económicas. O Uganda respondeu que o Banco Mundial “não deveria chantagear os seus membros”.
América fala, mas não age
Washington condenou prontamente Kampala. E o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, comparou o país africano à Alemanha nazi ou à África do Sul dos tempos do apartheid.
Os EUA ficam numa posição delicada e poderão não passar do plano de intenções: precisam de aliados na região, onde os islamistas ganham força. No início do ano, quando a Nigéria aprovou leis semelhantes – incluindo uma década de cárcere para demonstrações de afecto entre pessoas do mesmo sexo –, a Casa Branca censurou a lei, mas não tomou ainda medidas concretas nem adoptou sanções contra o país liderado por Goodluck Jonathan.
Na Nigéria, a homossexualidade pode ser punida com pena de morte no Norte do país, dominado pela lei islâmica. Quer no Norte, quer no Sul, multiplicam-se as perseguições aos homossexuais, linchados por multidões.
Dos 54 países do continente africano, 38 ilegalizaram a homossexualidade, que também se paga com a pena capital na Mauritânia, Somália e no Sudão. Na maior parte destes Estados, as leis datam do século XIX ou do início do XX, no período colonial.