Maria de Medeiros: ‘Nada neste disco é purista’

Quando lhe perguntam qual é a sua profissão, Maria de Medeiros diz prontamente: “Sou actriz/realizadora”. Mas aos poucos, a música tem-se afirmado na sua vida profissional, especialmente agora que acaba de lançar em Portugal Pássaros Eternos, o terceiro disco. Nele se aventura, pela primeira vez, pela escrita de canções. Se há cliché adequado à actriz/cineasta/música…

Esse treino que traz da representação, de ouvir as sonoridades por detrás de cada palavra, influenciou directamente este disco. Durante a sua já longa carreira de actriz, Maria de Medeiros declamou várias vezes o poema ‘Por Delicadeza’, de Sophia de Mello Breyner Andresen – “sempre que o fazia ouvia uma música”. “Na própria escrita da Sophia há uma música, uma sonoridade que se vai impondo. Às tantas pensei: ‘Já que oiço essa música, por que não a canto?”. E assim nasceu a primeira canção do disco.

As restante nove – onde se incluem uma versão de ’24 Mila Baci’, com Legendary Tigerman, e outra de ‘Aos Nossos Filhos’, de Ivan Lins – foram aparecendo naturalmente, quase sem a actriz dar por elas. “Na sequência dos concertos com os músicos que tocam comigo ia fazendo uma ou outra canção e, às tantas, o meu marido é que me alertou que já tinha material para fazer um novo disco”.

Actualmente com 48 anos, foi só há seis que Maria de Medeiros lançou o primeiro álbum – A Little More Blue (2007), seguido de Penínsulas & Continentes (2010). Sendo filha de quem é – do maestro António Victorino de Almeida -, estrear-se na música tão tarde foi uma surpresa. “Tinha uma inibição muito grande porque à minha volta toda a gente sabe tudo de contraponto, harmonia, arranjos e eu não sei nada disso. Levei tempo a perder a vergonha”, confessa.

Ultrapassada a timidez, Maria de Medeiros desinibiu-se completamente, explorando musicalmente tudo e mais alguma coisa, misturando músicas do ponto de vista da harmonia incompatíveis (como o samba e o flamenco), cantando tanto em português (algumas vezes com sotaque brasileiro) como em italiano ou inglês. “Perguntam-me muitas vezes por que decidi cantar em tal língua. A verdade é que não decidi. Acaba por ser um reflexo do que é o meu quotidiano. Falo uma língua com as minhas filhas [português], outra com o meu marido [castelhano] e outras tantas com os meus amigos”.

A par dos vários idiomas, Pássaros Eternos passeia-se também por sonoridades distintas, que vão do samba aos blues, do jazz ao flamenco, da bossa nova a um sui generis fado. E ainda há uma incursão pela salsa. Tudo com um tom lúdico, até porque para Maria de Medeiros o divertimento tem de fazer sempre parte daquilo que cria. “Nada neste disco é purista. Tudo é híbrido, porque eu própria também sou híbrida. Tanto do ponto de vista das identidades culturais que levo comigo, como o facto de me movimentar em diferentes áreas artísticas”.

Além da música, nos próximos tempos as múltiplas facetas de Maria de Medeiros vão reflectir-se igualmente no cinema. Com três filmes por estrear – dois canadianos e outro mais recente, do norte-americano Abel Ferrara, filmado em Roma, sobre o escritor italiano Pasolini -, a cineasta prepara-se ainda para começar a sua próxima obra atrás das câmaras. “No ano passado fui convidada para fazer uma peça de teatro no Brasil, intitulada Os Nossos Filhos, sobre os novos modelos familiares e os filhos nos casais gays. E agora estamos a adaptar a peça para cinema e estou muito contente por o ir realizar”, revela, entusiasmada com o projecto.

O grande lamento actual é a actual situação do cinema em Portugal e o facto de não filmar no nosso país há vários anos. “O cinema português está na situação que toda a gente sabe, mais ou menos sinistrado. Tenho muita pena porque além de ser interessante, é extremamente respeitado no mundo inteiro. Acabar com ele é puro suicídio”.

alexandra.ho@sol.pt