Mary Shelley: A mãe e o monstro

A matéria tratada em Mary Shelley – Uma biografia da autora de Frankenstein tem um fulgor romântico, mas é tão dramática como um mito grego e tão actual como a discussão sobre a clonagem.

Nela, fundem-se a vida da criadora, Mary Godwin (depois Shelley), e a da criatura sem nome, saída do laboratório de Victor Frankenstein. Um posfácio e um glossário de três páginas (sobre genética e biotecnologia), escritos em 2013 pela autora, a jornalista e feminista francesa Cathy Bernheim, actualizam esta edição portuguesa, pela Antígona.

Quando Mary tinha onze dias, a mãe (a feminista Mary Wollstonecraft) morre de septicemia. O pai (o filósofo William Godwin) educa-a num frio “rigor puritano disfarçado de curiosidade intelectual”. Onze dias após ter nascido, o primeiro filho de Mary com o poeta Percy B. Shelley, uma menina prematura, morre também. Será necessário que a mulher de Percy se suicide para que Mary conquiste uma posição social ‘respeitável’.

Perante estas e várias outras fatalidades (suicídio da meia-irmã, morte de outros filhos, afogamento de Shelley), Mary age como “um modelo de teimosia de viver, num universo varrido pelas pulsões de morte”. Aos 19 anos, à beira do lago de Genebra, escreve um testamento da inquietação pela vida e do desejo de verdade perseguido pelos românticos.

Como romance de ideias, Frankenstein ou o Prometeu Moderno é uma “boneca russa”. Hoje, tem mais fama pelas adaptações e interpretações (por Boris Karloff, Bela Lugosi ou Keneth Branagh) do que pela leitura do original. Cathy Bernheim contraria a tendência: faz um enquadramento pormenorizado e inspira nova tradução de excertos fundamentais.

A biógrafa concentra-se no tema essencial: a transmissão da “centelha da vida” e a responsabilidade do homem na manipulação da Natureza. Associa-o à vida de uma mulher em “lancinante vaivém entre resignação e desejo”.

Após a morte de Shelley e para garantir o sustento do único filho, Mary Shelley já só escreve ficções e biografias convencionais. Apesar de filha, amante e amiga de progressistas e libertários, a sua personalidade acaba subjugada pelo destino biológico e pela pressão social. Frankenstein irá sobreviver-lhe, como a mais perene obra romântica e um dos maiores clássicos do terror.

online@sol.pt