Enquanto decorriam as gravações da série da RTP1 Os Filhos do Rock, Eduardo Frazão marcava todos os dias um tracinho, numa parede de sua casa, correspondente ao tempo que faltava para deixar de dar vida ao baterista Garrafa. «E eram todos do mesmo tamanho», brinca Cristóvão Campos (o baixista Zé Paulo), reforçando a entrega do colega à série. Esta dedicação, garante João Tempera (o guitarrista e vocalista João Pedro), foi transversal a toda a equipa, mas para os três actores – que na série formam a banda Os Barões – acabou por resultar numa amizade que transpôs a ficção. «Meses antes das gravações arrancarem, começámos, forçosamente, por ter de ensaiar uma amizade, mas hoje somos mesmo amigos», diz Cristóvão.
Antes de Os Filhos do Rock – que retrata o boom do rock português na década de 1980, com o aparecimento de bandas como os Xutos & Pontapés e os UHF -, Eduardo, Cristóvão e João não se conheciam pessoalmente. Foram apresentados por Pedro Varela, quando o criador e realizador da série ainda estava a escrever o guião. «Começámos a juntar-nos regularmente, a marcar jantares, a sair para beber uns copos… Basicamente a conhecermo-nos, a descobrirmos os gostos uns dos outros, a trocar discos e DVD», recorda João Tempera. O entrosamento entre os três foi tão imediato que os próprios ficaram espantados com a amizade repentina. «Fizemos coisas de adolescentes como ir dormir para casa uns dos outros. Ligávamos a dizer ‘traz o saco cama e ficamos cá hoje a dormir e a ver uns filmes’», conta João, com Cristóvão a ironizar: «Festas de pijama não é lá muito rock».
O rock guardaram-no para os ensaios, numa garagem em Almada. Enquanto João e Cristóvão já tocavam guitarra há vários anos – João tem, inclusive, disco novo com o seu projecto João e a Sombra -, para Eduardo a música foi uma experiência nova. «Soube em finais de Novembro [de 2012] que o Pedro [Varela] tinha este projecto e liguei-lhe. Dois meses depois ele ligou-me e disse-me: ‘Preciso de um baterista. Tocas?’». O actor não tocava, mas respondeu prontamente que ia aprender. «Tens três meses. E começa a deixar crescer o cabelo», disse-lhe o realizador. Com uma bateria emprestada e conselhos de amigos bateristas, Eduardo foi estudando o instrumento, até se deixar contagiar. «Já tenho uma bateria electrónica e tudo», conta, revelando que anda a juntar dinheiro para comprar uma «’das verdadeiras’».
Sobre os primeiros ensaios já como Barões, Eduardo diz que «foi um pouco complicado, porque aí já tinha que acompanhar», mas valeu-lhe a paciência dos colegas. Até porque, independentemente da experiência instrumental de cada um, tiveram todos de descobrir que tipo de músico iriam representar.
«O palco transforma qualquer pessoa e, normalmente, um artista cresce e pode crescer para muitos lados. Descobrir para que lado cada um destes gajos cresce foi muito interessante», comenta Cristóvão, passando a palavra a João: «A tocar naturalmente uns com os outros não tínhamos aquela atitude de super stars que os Barões têm. Especialmente a minha personagem, o João Pedro, que é bigger than life. Há qualquer coisa nele de extravagante, de andrógino… Fui à procura desse lado mais sensual próximo do Mick Jagger e mais louco do Jim Morrison».
Sendo Os Barões uma banda ficcionada, salienta Cristóvão, «era importante que contivessem neles todas as outras. São três arquétipos de outros músicos que formavam bandas». E João completa: «Há ali um sentido de risco que até em Portugal ainda não havia assim tanto, com excepção, talvez, do António Variações».
Do ecrã para os palcos
Desde que a série se estreou na RTP1, em Dezembro, tornou-se comum ver João, Cristóvão e Eduardo em concertos. Os actores garantem que sempre foram espectadores assíduos de música ao vivo, mas admitem que Os Filhos do Rock impulsionou ainda mais esse prazer. Ao ponto de, pelo menos uma vez por semana, se juntarem para irem ver alguém tocar. «E vamos a tudo, desde artistas estrangeiros, a António Zambujo, às turmas todas da FlorCaveira, Márcia, JP Simões, Rodrigo Leão… Gostamos de música, ponto», menciona João, revelando que estão atentos à música nacional, nomeadamente ao rock que se faz agora em português. «Adoro Linda Martini», atira Cristóvão, como exemplo do que ouve cantado na língua de Camões.
A viver um período de prosperidade semelhante ao boom que Os Filhos do Rock retrata, a música portuguesa tem actualmente cada vez mais público e Cristóvão acredita que a série também pode contribuir para que, ao conhecermos melhor o nosso passado musical, valorizemos ainda mais o que se faz agora. E, porque não, fazer também parte do momento feliz actual? «Estamos muito descomprometidos, mas se acontecerem oportunidades para tocar ou gravar, claro que ficamos felizes», refere João.
Esta pode não ser a motivação principal para transformar ficção em realidade, mas desde que as gravações terminaram, João, Eduardo e Cristóvão têm sonhado em tocar, nem que seja só uma vez, como Barões. Esse desejo vai-se concretizar hoje à noite, quando os três actores/músicos subirem ao palco do Santiago Alquimista, em Lisboa, e cantarem, entre outras, ‘Tudo Tem um Fim’. Se a experiência se repetirá, só o tempo o dirá, mas uma coisa é certa: na primeira fila lá vão estar as três ‘baronesas’, que é como quem diz as namoradas dos actores que, por contágio, também se tornaram amigas e, na brincadeira, começaram a auto-intitularem-se assim.