Dívida já foi reestruturada 5 vezes desde 2011

Durante o resgate, a dívida pública nacional foi renegociada três vezes com a troika e outras duas com privados. Analistas admitem um novo prolongamento de prazos, mas não acreditam num perdão de dívida.

“Portugal tem agora melhores condições para cumprir com sucesso o seu programa de assistência”, “é um passo importante para o regresso aos mercados”, “a medida é positiva”. Estas frases não foram proferidas após uma avaliação positiva da troika ou numa publicação do INE com dados favoráveis sobre desemprego, crescimento ou exportações. Foram ditas depois de o Governo ter feito uma reestruturação da dívida portuguesa. A primeira é do primeiro-ministro, Passos Coelho, a segunda de Vítor Gaspar, ex-ministro das Finanças, e a última de António José Seguro, líder do PS.

A renegociação da dívida dominou a semana depois de um manifesto de 70 notáveis ter proposto essa solução como a única forma de colocar o país na rota do crescimento e resolver a insustentabilidade da dívida nacional, que está hoje nos 130% do PIB (120% sem os depósitos do Tesouro).

A reacção foi violenta dentro do Executivo. Passos Coelho apelidou a acção do manifesto como “masoquismo”, Poiares Maduro considerou-a “irresponsável” e Eduardo Catroga, que negociou o memorando, classificou-a de “completa ignorância”. Cavaco Silva exonerou dois conselheiros seus que o assinaram.

Tempo, juros e corte

O manifesto, na prática, defendia três modos de reestruturação de dívida (ver quadro), para tornar mais suaves os encargos e dar maior fôlego às contas públicas, evitando a via exclusiva da austeridade.

A realidade é que tirando a opção de um haircut (pagamento apenas parcial da dívida), o Governo tem recorrido às outras duas. Contas feitas, desde o resgate da troika em 2011, Portugal já fez cinco reestruturações de dívida. Três acordadas com a Comissão Europeia e duas com os investidores privados.

Portugal adiou 15% da dívida

As duas primeiras renegociações foram feitas logo após o início do programa de assistência a Portugal. Em Julho de 2011, Bruxelas aceitou reduzir o juro cobrado nos empréstimos a Lisboa, de 5% para 3%. Anulou a ‘taxa de penalização’ de dois pontos percentuais, então vigente, e ao mesmo tempo fez o primeiro alargamento dos prazos de pagamento dos seus créditos, de 7,5 para 12,5 anos.

Mais tarde, em 2013, a troika voltava a fazer uma reestruturação: deu mais sete anos para Portugal pagar os 52 mil milhões de euros que deve à Comissão Europeia, alargando o prazo para 20 anos.

Mas as reestruturações de dívida e o alívio das condições não se resumiram aos credores oficiais. Os investidores privados foram também um alvo. Em Outubro de 2012, o Governo fez a sua primeira troca de dívida, adiando o pagamento de 3,7 mil milhões de euros que venciam em Setembro de 2013 para 2015. A operação permitiu fazer o então famoso ‘regresso aos mercados’.

No final de 2013, as Finanças repetem a fórmula e adiam por três anos o reembolso de 6,6 mil milhões de euros de duas linhas de crédito que venciam em 2014 e 2015. Só com o alargamento de prazos acordados com a troika e privados desde 2011, Portugal conseguiu adiar o pagamento de 30 mil milhões de euros, cerca de 15% da sua dívida total.

Banca aguenta haircut?

Analistas do Royal Bank of Scotland (RBS) e do BNP Paribas acreditam que o adiamento de prazos será sempre a opção preferível para Portugal. A margem para descer juros das linhas da troika está esgotada e Portugal pode ainda conseguir estender os prazos dos actuais 20 para 30 anos, como fez a Grécia.

o recurso a uma reestruturação da dívida acima de 60% do PIB, sugerido pelo manifesto dos 70, é mais controverso. Os dois bancos acreditam que um haircut será pouco provável no curto prazo – embora o RBS estime que a banca portuguesa seja capaz de aguentar o choque de um perdão de 40% da dívida pública nas suas contas, sem ter de haver nacionalizações.

A casa de investimento norte-americana Tortus avança mesmo que um haircut de 50% seria suportável no sistema financeiro.

Até agora, na Zona Euro, só a Grécia recorreu a uma reestruturação através de um perdão de dívida. O processo foi feito em 2012 junto de investidores privados, mas o sucesso foi escasso. A dívida desceu de 170% para 150% do PIB, mas passados dois anos já estava de novo na casa dos 170%.

luis.goncalves@sol.pt