À excepção de Salazar, é o governante português com mais tempo no poder. Faz hoje 36 anos que, na tomada de posse, em 1978, jardim pronunciou a célebre frase: “A Madeira será o que os madeirenses quiserem”. 36 anos depois, o carismático líder regional confessa-se “cansado do PSD-Madeira”. Mas quer que o seu sucessor seja alguém da sua confiança.
O SOL dá-lhe hoje a conhecer alguns momentos de tensão da dialéctica do relacionamento institucional entre a Madeira e a República – a que os insulares denominaram “contencioso da Autonomia”- assim como alguns dos mais célebres insultos (ler aqui).
José Sócrates terá sido o primeiro-ministro mais difícil que o líder madeirense enfrentou. Um adversário de peso numa “guerra” que trava, desde 1978, com todos os chefes do Governo de Lisboa.
Alberto João Jardim assumiu a presidência do Governo Regional em 1978, sucedendo a Ornelas Camacho. Era primeiro-ministro, Mário Soares que liderava um Governo de coligação PS/CDS. A Constituição da República tinha sido aprovada em 1976 e já conferia às Regiões Autónomas uma série de competências que, no entanto, tardavam em ser transferidas. Jardim foi a Lisboa negociar com Mário Soares.
É este o primeiro encontro de trabalho com um primeiro-ministro. Resolveu-se pouco, ou nada, mas ficou marcada uma cimeira de governos que seria realizada no Funchal, a 19 de Junho de 1978. Tudo parecia correr bem, até que acontece a festa do PSD-M, no Paul da Serra, em que Jardim falou em “tropa efeminada” e tudo se complicou. Soares chegou a exigir a demissão de Jardim.
Curiosamente seria o primeiro-ministro a ver o seu Governo dissolvido pelo Presidente da República, Ramalho Eanes, num período em que a “guerra” entre a Madeira e o Continente estava no auge.
Depois de vários governos provisórios, Sá Carneiro conseguiu uma maioria absoluta com a Aliança Democrática (AD). O então líder social-democrata, que mantinha um bom relacionamento pessoal com Jardim, foi responsável pela maior transferência de competências para a Região. Praticamente todas as que estavam previstas na Constituição, desde a Educação à Saúde.
Sá Carneiro manteve com Jardim um relacionamento muito próximo e de uma certa cumplicidade. A sua morte, em Dezembro de 1980, na queda do avião em Camarate, iria interromper um curto período de “paz”.
A Sá Carneiro sucedeu Pinto Balsemão e a situação piorou. O novo Primeiro-ministro veio à Madeira em Maio de 1982, para uma reunião de trabalho em que foi aprovado o decreto da Zona Franca da Madeira, mas outros assuntos ficaram por resolver.
Jardim acusou a AD de piorar o relacionamento com as Regiões Autónomas e iniciou um período de confronto aberto com o seu próprio partido. Ainda hoje, agora por causa do ‘Expresso’, Jardim não morre de amores por Pinto Balsemão.
A AD deu lugar ao ‘Bloco Central’ chefiado por Mário Soares. Os tempos foram de crise financeira grave. O Governo Regional optou por algum distanciamento em relação a Lisboa. Realizaram-se cimeiras de ministros e secretários regionais. Houve muita “solidariedade” mas pouco dinheiro. Ernâni Lopes, ministro das Finanças de Soares, foi uma maiores ‘dor de cabeça’ para Jardim e o primeiro a levantar a questão da dívida.
Com Mário Soares a caminho de Belém, começou a era Cavaco Silva. Pela primeira vez o PSD estava sozinho e com maioria absoluta no Governo da República. Esperava-se um período de acalmia nas relações entre o Funchal e Lisboa, mas aconteceu precisamente o contrário. Cavaco Silva remeteu, sempre, todos os assuntos para os seus ministros e nunca assumiu compromissos.
Jardim chegou a perder a cabeça com Cavaco Silva, mais tarde baptizado de “Sr. Silva”. No entanto, Jardim teve de agradecer-lhe dois gestos de solidariedade. O primeiro, quando um derrame de crude atingiu a ilha do Porto Santo e o primeiro-ministro se deslocou à Região para avaliar a situação. Mais tarde, quando Mário Soares levantou a questão do “défice democrático” na Madeira. Cavaco Silva promoveu umas jornadas parlamentares nacionais, no Funchal, como forma de desagravo de Jardim e do PSD-M.
Depois de dois mandatos, Cavaco Silva saiu de cena e o PS regressou ao poder. António Guterres manteve com Jardim um relacionamento institucional positivo que se traduziu na criação de grupos de trabalho entre os dois Governos e em várias deslocações à Região.
É neste período que uma parte substancial da dívida da Região é perdoada, tendo como justificação as percentagens das receitas das privatizações que deveriam pertencer à Madeira. Numa altura em que as verbas da UE estavam em alta e muitas obras foram financiadas por fundos comunitários. Mesmo assim, António Guterres – que enquanto líder da oposição fora chamado de “tonto” –, não evitou ser chamado de “mafioso”, no Chão da Lagoa.
O bom relacionamento manteve-se com nova alternância de poder. Durão Barroso (PSD) atribuiu a Morais Sarmento a ‘pasta’ da Madeira e foram concretizadas algumas das ’35 medidas’ prometidas. Algumas delas estão ainda hoje por cumprir, como a entrega da fortaleza do Pico e do Palácio de São Lourenço à Região.
O sucessor de Durão Barroso, Santana Lopes, esteve pouco tempo no poder. Ainda assim deslocou-se à Região. Antes de ser demitido, tinha convidado Miguel de Sousa –agora candidato à sucessão de Jardim – para ocupar uma pasta no seu Governo. Quando foi demitido, Jardim foi dos poucos a defendê-lo apelidando Jorge Sampaio de “golpada constitucional”.
As eleições legislativas antecipadas de 2005 mudaram tudo. O relacionamento com José Sócrates foi sempre distante, sem contactos. O novo Primeiro-ministro adoptou uma postura totalmente diferente dos anteriores, em relação à Madeira. A Lei das Finanças Regionais foi o ponto mais marcante de uma série de confrontos entre a Quinta Vigia e o Terreiro do Paço.
A tragédia de 20 de Fevereiro de 2010 alterou a situação. Foi no Governo de Sócrates que foi aprovada a Lei de Meios com verbas para reconstruir os 1.080 milhões de prejuízos.
Com Pedro Passos Coelho, o relacionamento de Jardim tem sido QB. É conhecido que Jardim tinha apoiado Paulo Rangel e não Passos Coelho para a liderança do PSD. Além disso, Jardim não perdoa a afeição que Passos Coelho tem por Miguel Albuquerque, rival e candidato à sucessão de Jardim.