Os eleitos do Afeganistão

A eleição de um novo Presidente poderá ser a primeira transição democrática no Afeganistão, que desde 2001 é liderado por Hamid Karzai. Impedido pela Constituição de concorrer a novo mandato, o chefe do Estado terá de passar o testemunho a um dos 10 pretendentes. Na teoria, será este o processo. Na prática, não faltam razões…

Estão reduzidos a menos de metade os candidatos que inicialmente se apresentaram, em Outubro – na maioria desqualificados por não cumprirem requisitos obrigatórios. Uma segunda volta é quase inevitável, o que implica mais semanas para olear a máquina eleitoral. Com regiões remotas e a maioria dos eleitores em zonas rurais, a contagem dos votos pode demorar semanas.

Os observadores internacionais antecipam a probabilidade de fraude eleitoral, num país onde 12 milhões de pessoas podem votar mas se estima haver 20 milhões de cartões de eleitor. Adivinha-se que o novo Presidente só seja conhecido em Julho ou Agosto, embora o mandato de Karzai termine em Maio.

Candidatos polémicos

Abdullah Abdullah – ou Dr. Abdullah – pode considerar-se na posição dianteira. Candidato derrotado na segunda volta das eleições de 2009, aproveitou estes anos para marcar terreno na oposição. Notabilizou-se na resistência aos soviéticos (o ‘Dr.’ vem da formação em oftalmologia).

Outros concorrentes de peso são Ashraf Ghani, ex-ministro das Finanças e funcionário do Banco Mundial, um tecnocrata que escolheu para vice um antigo senhor da guerra de etnia pashtun acusado de crimes de guerra. Também Abdul Rasul Sayyaf, proeminente mujahideen, faz parte da lista. Convidou Osama bin Laden para ir para o Afeganistão em 1996 e é considerado pelos americanos o mentor de um dos ‘cérebros’ por detrás do 11 de Setembro. Por fim, Zalmai Rassoul, médico, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, que elegeu para vices um senhor da guerra e, pela primeira vez, uma mulher.

Todos os candidatos, que recorreram a alianças com vices de outras facções e tribos afegãs, têm direito a escolta policial, jipes à prova de bala, boleias de helicóptero para as zonas de mais difícil acesso, num país em que os clichés das campanhas eleitorais – visitas a estudantes nas escolas, dois dedos de conversa com velhinhos – se traduzem em comportamentos de risco. Os talibãs estão à espreita e ameaçaram impedir as eleições.

Os fundamentalistas nunca esconderam que o acto eleitoral era “uma perda de tempo”. Nas anteriores eleições, os talibãs entretiveram-se a decepar os dedos de quem se atrevesse a sujar o indicador na tinta para votar. Esta semana, um jornalista sueco foi assassinado por um grupo islamista que opera à margem dos talibãs e que acusou Nils Horner de ser um espião ao serviço das secretas britânicas.

Após décadas de guerra – contra a ocupação soviética, entre afegãos e contra os talibãs –, o país viveu uma relativa estabilidade nos últimos dez anos, ocupado por tropas da NATO. A maior parte dos soldados americanos tem bilhete de regresso no final do ano. Quem quer que seja eleito terá a prova dos nove na liderança do país em 2015.

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