Justiça vesga

Poucas coisas são tão prejudiciais à democracia como a de se criar a ideia de que existe uma justiça para ricos e outra para pobres. Curiosamente, o ex-Procurador-Geral da República quando tomou posse afirmou que essa seria uma das suas grandes batalhas… Com os resultados que se sabe.

 

Nos últimos dias um caso veio colocar, de novo, na ordem do dia este assunto. É verdadeiramente inconcebível que um banqueiro condenado pelo Banco de Portugal veja essa condenação ser declarada prescrita por um tribunal de Pequena Instância, livrando-se dessa forma de pagar um milhão de euros de multa, além de poder voltar a exercer funções no sector financeiro quando estava proibido de o fazer nos próximos nove anos. Se Jardim Gonçalves está inocente, deveria poder prová-lo em julgamento. Mas não. Ao ver arquivada a condenação das nove infracções graves, Jardim Gonçalves livra-se da multa e do castigo laboral.

Numa altura em que o país está mergulhado numa enorme crise financeira e em que se discutem cortes até ao cêntimo é, de todo, incompreensível que a Justiça portuguesa dê uma imagem tão negativa do seu desempenho. Sabe-se já que as instâncias superiores vão querer apurar a razão de tal prescrição, mas nada fará com que o banqueiro volte a responder pelas tais nove infracções graves que o Banco de Portugal encontrou.

Com decisões destas como é possível recuperar a credibilidade? A ministra da Justiça já veio dizer que, com a alteração das leis, isto não aconteceria. Para a generalidade das pessoas o que se passou foi que a Justiça protegeu um rico, embora o raciocínio até possa estar completamente errado e Jardim Gonçalves ser inocente. Mas como não o provou no lugar certo, a dúvida e a convicção das pessoas manter-se-ão para sempre.

P. S. – Esta semana foi assinado um acordo entre a Câmara de Lisboa e a Bragaparques a propósito dos terrenos da antiga Feira Popular e do Parque Mayer. Alegou a câmara que é preferível pagar pelos terrenos, até porque é um preço justo, a esperar uma eternidade pela resolução dos tribunais. Quando são os políticos a falar assim, o que dirá o povo?

vitor.rainho@sol.pt