Ela tem nas mãos o destino de Pistorius

O julgamento mais mediático na África do Sul – e que também atrai atenção mundial – está a ser presidido por uma antiga jornalista. A acusação alega que foi um homicídio premeditado, a defesa contrapõe que se tratou de um acidente e que o atleta paralímpico Oscar Pistorius achou que havia um intruso em casa…

Centenas de jornalistas aglomeram-se junto ao tribunal de Pretória, desde o início do julgamento a 3 de Março. No interior, o fundo da sala está também reservado à comunicação social, que excepcionalmente pode transmitir partes do julgamento para a televisão e a rádio. A medida é inédita e reflecte o interesse que o ‘caso Pistorius’ suscita.

Na semana passada – a segunda de um processo que deverá chegar ao fim nos próximos dias -, houve blackout: os detalhes do relatório da autópsia da vítima, a modelo Reeva Steenkamp, não foram tornados públicos – nem as imagens captadas no cenário do crime, consideradas demasiado chocantes. Isso não impediu os media de relatar que Pistorius, de 27 anos, vomitou várias vezes e não conteve as lágrimas enquanto o médico-legista respondia às questões da acusação.

No meio do frenesim mediático, Thokozile Masipa mantém-se serena. Pequena, de ar frágil, move-se com alguma dificuldade devido a uma artrite. É tratada por ‘my lady’ tanto pela defesa como pela acusação, escuta atentamente as partes. Na justiça sul-africana, carrega o rótulo de imparcial: “É firme e digna. Trabalha imenso”, elogiou ao sul-africano The Times um advogado daquele país.

Vingar no apartheid

À partida, as probabilidades estavam contra a jovem Thokozile, uma adolescente no dia em que Nelson Mandela foi condenado a prisão perpétua por se ter insurgido pelas armas contra o regime racista vigente na África do Sul.

Cresceu nas favelas do Soweto, junto a Joanesburgo, numa pequena casa que partilhava com pais e irmãos. Como o resto da população negra na época, não teve a escolha de viver, estudar, passear, almoçar, jantar ou andar nos transportes que lhe apetecesse. Fez-se mulher no país onde a minoria branca ditava o que podia e não podia fazer a maioria negra. Mas também se fez fura-vidas.

Estudou e arranjou trabalho como jornalista no semanário The Sowetan. A cobrir a área do crime, deparou-se com histórias de injustiça que imperavam num país onde o juiz branco repetidamente sentenciava o réu negro. Cedeu ao fascínio da lei: trocou a vida de repórter pela de estudante de Direito e avançou na carreira até, em 1998, se ter tornado a segunda juíza negra de uma África do Sul que já tinha abolido o apartheid.

Era uma mulher madura, com mais de 50 anos, mãe de um rapaz, e tinha uma maior responsabilidade nas mãos: de igual para igual, podia julgar, condenar, absolver a esmagadora maioria dos que se sentavam no banco dos réus – negros, como ela. Porque ali a mesma cor da pele ainda era sinónimo de uma maior justiça e confiança.

Mão pesada contra a violência

Fez o seu caminho. “De certeza que quando estudou Direito era a pessoa mais trabalhadora da turma. E como juíza ninguém duvida da sua seriedade ou imparcialidade”, garantiu ao El País outro jurista sul-africano.

Em Maio do ano passado, condenou a 252 anos de cadeia um homem acusado de assaltar e violar três mulheres. A juíza justificou a pena pela ausência de arrependimento do réu e pelo trauma com que as vítimas terão de lidar até ao fim da vida: “O pior, do meu ponto de vista, é que atacou e violou as vítimas no santuário das suas próprias casas, onde elas achavam que estavam seguras”.

Também sem contemplações, em 2009 ordenou outra sentença de prisão perpétua a um polícia que matou a tiro a ex-mulher, com quem tinha desentendimentos sobre o acordo de divórcio. “Ninguém está acima da lei. O senhor merece ir preso para sempre porque não é um protector. É um assassino”, sublinhou.

Inflexível em casos de violência contra mulheres, a reservada Thokozile Masipa, de 66 anos, vai ditar o futuro de Oscar Pistorius. Se ficar convencida de que este teve intenção de matar a namorada, como alega a acusação, a pena pode ser perpétua. Se acreditar na tese da defesa, de que foi um acidente, o crime pode passar a homicídio por negligência: aí a pena será à discrição da juíza.

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