A propósito do chumbo da proposta de coadopção por pessoas do mesmo sexo, escreveu no seu Facebook: “O CDS mete-me nojo e causa-me escândalo moral. A hipocrisia de um partido político que é liderado por um homossexual mas que vota a favor da continuidade da discriminação de famílias e da orfandade forçada de crianças ultrapassa a minha capacidade de verbalização. Mas também me causa repulsa o papel ignóbil da Presidente Assunção Esteves: uma lésbica não poderia hoje recusar-se a participar naquela votação”. Foi uma reacção escrita a quente?
A minha reacção foi ditada num impulso de choque e de ultraje. Foi quente e “a quente”. Mas não foi um acto irreflectido: foi antes a expressão da apreciação de indignidade moral que faço a respeito de alguns dos algozes das famílias que são castigadas pela sua hipocrisia e pelo seu sentido de conveniências.
Mas sente algum arrependimento por aquilo que escreveu?
Não estou nada arrependido, e cada dia que passa mais entendo ser necessária e imperiosa a exposição pública das suas hipocrisias e cobardias.
Na sequência das suas palavras foi contactado por Paulo Portas ou Assunção Esteves?
Nenhum me contactou nem haveria razão para isso. O importante era que contactassem a Carolina, que tem 15 meses, e as suas mães, a Matilde e a Olga, para verem como os seus actos afectaram esta família concreta. Ou que conhecessem as outras famílias por si violentadas e que a Lei portuguesa entende serem famílias de segunda.
Quais as reacções das pessoas sem envolvimento político?
Tive reacções a roçarem o ódio e a ameaça de violência, mas foram casos isolados. A maioria apoiou e concordou, porque percebeu que o que está em causa é uma insuportável indignidade.
Põe a hipótese de o seu comentário ter repercussões no PSD como, por exemplo, a sua expulsão do partido?
Obviamente que ninguém no PSD me expulsará formalmente de militante por dizer o que penso, ainda não se pisou definitivamente essa linha. Já o meu exílio e marginalização, como a de centenas ou milhares de outros meus companheiros, é outra questão. O meu comentário, aparte o desconforto, não terá nenhuma repercussão neste PSD, que está cada vez mais endireitado e atávico, e que julga poder suster o seu desgaste eleitoral agradando à sua base conservadora, mas esquecendo-se que a sua base conservadora nunca votou no PSD por questões de costumes, mas sim por considerações de bom governo económico e de moderação fiscal e social.
Actualmente qual a sua relação com o PSD?
Sou militante do PSD, e tenho ainda as quotas em dia. Há quatro anos que não exerço qualquer cargo.
Como começou a sua ligação à política?
Desde miúdo que me interessou a política. Comecei a intervir, como muitos, pela Associação de Estudantes da minha Escola Secundária – nessa altura, aos 16 anos, fui recrutado pela JSD.
Que cargos já assumiu?
Na JSD fui quase tudo: dirigente local, presidente da Distrital de Lisboa (eleito para quatro mandatos consecutivos). A nível nacional fiz parte da última Comissão Política presidida por Pedro Passos Coelho, fui director do Gabinete de Estudos Nacional e Vice-Presidente. Quando saí elegeram-me militante honorário. No PSD fui membro do Conselho Nacional, dirigente distrital e presidente da Comissão Política da Concelhia da Amadora, onde fui autarca.
Fala com Hugo Soares?
Não conheço pessoalmente o actual presidente da JSD e como tal nunca falei com ele.
Nem sobre o referendo?
Pelo que sei, o actual presidente da JSD não falou com ninguém antes de apresentar aquela golpada provocatória do referendo. A não ser com o líder parlamentar do PSD, que foi quem lhe encomendou o serviço.
Falou de “serviço”. Foi comentado que a tomada de posição da JSD se regia por jogos que nada tinham que ver com o interesse das crianças…
Essa coisa do referendo não foi mais do que um truque desonesto e desleal motivado apenas por cálculos e cogitações de ordem política: unir a base eleitoral desiludida da direita em torno de uma questão relativamente pouco importante para a governação, distraindo as pessoas e batendo numa minoria frágil. E podendo definir a esquerda com os velhos rótulos das engenharias sociais, do radicalismo, de alheia ao mainstream, de anti-religiosa, de não estar em linha com as preocupações do homem comum… As crianças não foram nada tidas em conta nesta miserável acção. Mas com o que Hugo Soares, Luís Montenegro e Marco António Costa não contavam era com a evolução sociológica da sociedade portuguesa, com a maior generosidade das pessoas e com o facto de a sua manobra ter sido logo percepcionada como um truque baixo.
Como começou o seu envolvimento nesta temática?
Sou apenas um cidadão comum e não tinha nenhum envolvimento militante nestas questões. O meu ponto de partida é o da recusa da descriminação, da preocupação com o estado de tantas crianças institucionalizadas, do combate às injustiças, e da rejeição duma sociedade de tipo dual. Para mim, a injustiça contra uns é uma injustiça contra todos.
Como jurista, e tendo em conta o que as instâncias internacionais já decidiram sobre este tema, haveria espaço para processar o Estado Português?
O Estado Português foi já alvo de uma competente participação. E, em consequência, alguns casos concretos de injustiça flagrante e concreta serão nos próximos meses apresentados na justiça europeia, que tem também jurisdição em Portugal.
O que resta a estas famílias?
A estas famílias resta muita esperança e a convicção de que a injustiça de que são vítimas será debelada a seu tempo como o foram muitas injustiças anteriores. Será um processo um pouco mais longo e duro, mas não podem baixar os braços. Têm de se mostrar às outras pessoas, ainda que com algum prejuízo do seu conforto e tranquilidade, para apresentar o seu caso: como é possível que as suas crianças possam ser castigadas por causa da orientação sexual dos seus pais e mães? Entretanto, enquanto a Lei não é alterada e não se garanta juridicamente o sossego das suas vidas, importa tomar algumas precauções práticas de âmbito legal, que podem minimizar ou prevenir algumas tragédias. Infelizmente custará maçadas de tempo e dinheiro para algumas famílias – testamentos, escrituras, registos, consultadoria e procuradoria não são baratos nem acessíveis –, mas é um sacrifício que aconselho. Precaverem-se legalmente de modo a minimizarem hipotéticas arbitrariedades futuras de qualquer juiz. Qualquer advogado de confiança lhes indicará o caminho.