Cícero a musicar a cor das emoções

A determinada altura no processo de criação de Sábado, Cícero Rosa Lins – nome próprio escolhido pela sua mãe por significar ‘o que planta sementes’ – percebeu que tinha de tirar todos os agudos do disco, de forma a que, mesmo com o volume no máximo, os graves o relaxassem.

Composto durante 2012, numa altura em que o Rio de Janeiro começou a viver a agitação popular motivada pelo aumento abrupto do custo de vida, o músico brasileiro acabou contaminado por essa apreensão generalizada. “Viver numa metrópole como o Rio de Janeiro acaba embrutecendo você em muitos aspectos”, comenta ao telefone com o SOL, referindo que a arte – “um lugar paralelo na consciência que permite ficar imune à realidade de uma metrópole” – funciona como refúgio. “A música serve para activar a minha sensibilidade”, diz.

Preocupado em encontrar um escape àquela realidade citadina, Cícero construiu o ambiente sonoro planante de Sábado através do uso cromático do som, uma técnica que já tinha explorado no álbum anterior, Canções de Apartamento (2011), mas para alcançar o efeito inverso. Enquanto o disco de estreia “tem um espectro sonoro colorido”, com faixas “vermelhas, laranjas, amarelas, com sons agudos e médios que excitam e geram euforia”, o segundo registo é monocromático. “Para Sábado comecei, justamente, por decidir que queria explorar um só tom e escolhi o azul porque é uma cor que permite um comprimento de onda que tende ao relaxamento, à contemplação”.

Apesar da “pouca luminosidade” e dos arranjos mais minimais, Sábado não é, de todo, um registo ensombrado, imerso numa “penumbra cavernosa”. O objectivo é deixar que os detalhes de cada canção sobressaiam, obrigando criador e ouvinte a entrar num determinado estado de espírito. “Tento usar o som, as palavras e a música para entrar na minha própria sensibilidade, porque acredito que só assim vou conseguir atingir a sensibilidade do outro. Esse é o meu objectivo artístico”, comenta. E quando isso acontece do outro lado do Atlântico é ‘ouro sobre (literalmente) azul’.

No final de Novembro, quando actuou no Vodafone MexeFest com MoMo e Wadu, Cícero ficou surpreendido com a quantidade de espectadores que conheciam as suas canções. Considerado um prodígio no actual cenário musical brasileiro, até agora a sua vida artística “transita mais na internet” e a presença no mundo real ainda é uma descoberta para o jovem carioca (completa 28 anos a 7 de Abril). A forte presença virtual deve-se, em muito, ao facto de o músico disponibilizar os discos gratuitamente no seu site. “Não me sinto confortável em vender os discos que faço. Acho que essa questão monetária se resolve melhor no show, porque vou ter de sair de casa, ir até outro lugar, fazer um trabalho. A música faço em casa, de forma artesanal, de baixo custo”, diz, reforçando que esta forma de encarar o acto criativo pode sugerir uma “aparente fragilidade”, mas permite ao artista ser responsável por toda a obra.

Livre com a bossa nova

Cícero começou a tocar viola aos 12 anos, quando os pais se divorciaram e o músico ficou com o instrumento que era do pai. Por não conseguir tocar as canções que ouvia na rádio, começou a fazer as suas, inventando “acordes todos errados”, mas que lhe “soavam bem”. “Canções de Apartamento e Sábado são isso mesmo: um monte de acordes errados. Se se vir do ponto de vista técnico são músicas que academicamente têm vários erros”, admite.

Ainda assim, Cícero não sentiu a angústia da imperfeição por causa da bossa nova, também ela “cheia de erros, de desafinos”. “Aquilo me libertou e o rock alternativo também. Comecei a ver que, na realidade, tudo é tinta, tudo é cor que serve para pintar um sentimento”.

Essas emoções de tonalidades próprias vão ser exibidas durante três concertos em Portugal: hoje, no Musicbox, em Lisboa; amanhã , no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães; e no dia 5 no Auditório Passos Manuel, no Porto.

alexandra.ho@sol.pt