‘O mercado da arte é uma selva’

Já lá vão mais de 20 anos desde que Fernando Santos se fixou naquela que mais tarde haveria de ficar conhecida como ‘rua das galerias’. Hoje representa grandes nomes das artes plásticas portuguesas e internacionais, como Gerardo Burmester, Pedro Cabrita Reis, Nikias Skapinakis, Alberto Carneiro, Georg Baselitz ou Antoni Tàpies. Mas quando se estabeleceu neste…

À Galeria Fernando Santos seguiram-se dezenas de espaços que se dedicam ao negócio da arte. Nos fins-de-semana em que há inaugurações simultâneas, centenas de pessoas passeiam pela Miguel Bombarda e artérias adjacentes para espreitar o que de novo se faz nas artes.

Está aqui desde o início do projecto. Como evoluiu a ocupação da rua?

Foi preciso algum tempo para a autarquia perceber a importância do projecto e o impacto que tinha para a cidade. Quando percebeu que todos tinham a ganhar, acabou por apoiar. Outra grande vitória foi termos conseguido que uma parte da rua fosse pedonal, uma ideia que propus a um arquitecto e que ofereci à Câmara do Porto. O ideal era que fosse quase totalmente pedonal – acredito que isso aconteça no futuro.

E em termos de números, como foi a evolução?

Neste momento somos cerca de 20 galerias. Entretanto algumas desapareceram e outras foram para Lisboa. O mercado da arte abrandou e nem todas aguentaram esta crise. Mas acredito que os que se mantiveram vão aguentar.

Como é que a sua galeria conseguiu sobreviver à crise?

Temos apostado sempre na qualidade e a programação até agora tem-se mantido exemplar. Apesar das dificuldades, não podemos deixar cair esse pilar e é essencial manter sempre a mesma imagem. Saber poupar e gerir é fundamental para nos mantermos à tona nos períodos difíceis.

Tem ideia de qual foi o trabalho mais caro que vendeu nestes 20 anos?

Foi uma obra do Tàpies, há já alguns anos. Vendemo-la por cerca de 300 mil euros.

A crise de que falava teve reflexo em termos criativos?

Acho que, como em tudo, às vezes é preciso haver uma crise, para haver uma ‘peneiragem’ e uma selecção. As crises servem para isso. Na euforia tudo acontece e tudo surge e há muita coisa que não tem qualidade. Hoje há uma geração de artistas muito boa, mas acho que há demasiados cursos artísticos. Em Portugal temos 40 cursos de Artes Plásticas e não há lugar para todos. Há ainda outra lacuna importante: falta um museu que seja uma referência para os artistas nacionais, e para quem nos visita, com uma colecção permanente. O Porto seria a cidade ideal para criar uma instituição dessas. Quer fosse ligada a Serralves ou não.

A Gulbenkian ou o CCB em, Lisboa, não cumprem esse papel?

A Gulbekian sempre fez o papel de Ministério da Cultura e é uma grande instituição. Tem feito um belo trabalho, mas não tem grandes obras e adquire-as de acordo com quem lá está a geri-la. Infelizmente, as instituições funcionam muito mal em Portugal e só compram a quem lhes interessa. Estou um pouco revoltado com toda esta situação. Investiu-se em obras megalómanas, onde não existe circulação de artistas, como é o caso do CCB.

Enquanto galerista sente que tem uma missão na cultura e nas artes?

Acima de tudo somos uma instituição privada, com uma finalidade comercial. Mas temos uma função pedagógica e cultural muito vincada. Enquanto galeria fizemos um trabalho, que em certa medida, devia ser feito pelo Estado. Já cá trouxemos 40 artistas internacionais e temos feito os artistas portugueses circularem, sem ganhar nada. Exige muito empenho e sacrifício. Vendemos pouco, porque quase não existem coleccionadores em Portugal. Deviam ser as instituições a comprar-nos para o seu acervo e para as suas colecções. E não o fazem. Muitas vezes compram aos artistas directamente e contornam certos princípios éticos. Isto é uma selva.

Falta ética neste negócio?

O mercado é muito pequeno e há cumplicidade entre galeristas e artistas, mas nem sempre as coisas funcionam como deveriam funcionar. Lá fora quem meter o pé na poça é arrumado, aqui há sempre artistas a contornarem o sistema. Em Londres, Nova Iorque e Paris existe um respeito muito grande pelas galerias. Se os artistas não correspondem ao acordo, saem do circuito. Aqui os artistas usam e abusam, tal como as próprias galerias, que nem sempre são profissionais.

O Porto está inegavelmente na moda. Sente alguma repercussão neste fluxo de gente que visita a cidade?

Esta popularidade teve como pontapé de saída o movimento que começou na Miguel Bombarda. É inegável que a economia tem crescido significativamente graças ao turismo, mas nunca nos podemos esquecer que temos de investir na cidade e de dar apoio a quem nos visita. Directamente não beneficiamos com o turismo, porque nunca vendi uma peça a um turista, mas temos a porta aberta a quem nos visita e por isso fazemos parte do movimento. A economia da cultura é um filão e está a ser mal aproveitada. Se queremos investir no turismo, temos de investir na cultura. Nem sempre é preciso ter grandes espaços para fazer grandes iniciativas. É importante ponderar investimentos, para não deixar elefantes brancos para alimentar.

Tem alguma ideia de como pôr as coisas a mexer, com pouco dinheiro?

Mais do que dinheiro é preciso vontade política e deixar que as pessoas também tenham a possibilidade de apresentar essas ideias. Temos um potencial tão grande… Noto que a juventude, com a falta de emprego e com formação e visão que adquiriu, acaba por importar ideias incríveis. As pessoas que emigram, por exemplo, acabam por voltar com novas ideias. Envolver as pessoas é fundamental, mas a autarquia tem de apoiar.

O seu contacto com a arte e a cultura vem de muito cedo, não é verdade?

Nasci e cresci envolvido pelas artes. O meu pai estava ligado ao Museu Amadeo Souza Cardoso, em Amarante. Os museus locais sempre resistiram à base de carolice. O meu pai acabou por envolver todos os filhos em trabalhos de montagens e no funcionamento do espaço. E a verdade é que foi o museu mais dinâmico que houve no país, nos anos 60, 70 e 80. Era uma referência nacional.

Como veio parar ao Porto?

Fui convidado a fazer parte da galeria Nazoni, que para mim foi uma universidade. Estive por lá sete anos e foi fundamental. Acabei por sair e montar uma galeria com o meu nome, junto ao Palácio de Cristal, e dois anos depois estava na Miguel Bombarda, porque havia imensos espaços livres. Foi um acaso. Quando me instalei fui convidando colegas para virem para cá, de forma a concentrarmo-nos aqui. Hoje não me queixo de nada, porque quando as pessoas têm o privilégio de fazer aquilo de que gostam, são pessoas felizes. É o meu caso.

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