À Galeria Fernando Santos seguiram-se dezenas de espaços que se dedicam ao negócio da arte. Nos fins-de-semana em que há inaugurações simultâneas, centenas de pessoas passeiam pela Miguel Bombarda e artérias adjacentes para espreitar o que de novo se faz nas artes.
Está aqui desde o início do projecto. Como evoluiu a ocupação da rua?
Foi preciso algum tempo para a autarquia perceber a importância do projecto e o impacto que tinha para a cidade. Quando percebeu que todos tinham a ganhar, acabou por apoiar. Outra grande vitória foi termos conseguido que uma parte da rua fosse pedonal, uma ideia que propus a um arquitecto e que ofereci à Câmara do Porto. O ideal era que fosse quase totalmente pedonal – acredito que isso aconteça no futuro.
E em termos de números, como foi a evolução?
Neste momento somos cerca de 20 galerias. Entretanto algumas desapareceram e outras foram para Lisboa. O mercado da arte abrandou e nem todas aguentaram esta crise. Mas acredito que os que se mantiveram vão aguentar.
Como é que a sua galeria conseguiu sobreviver à crise?
Temos apostado sempre na qualidade e a programação até agora tem-se mantido exemplar. Apesar das dificuldades, não podemos deixar cair esse pilar e é essencial manter sempre a mesma imagem. Saber poupar e gerir é fundamental para nos mantermos à tona nos períodos difíceis.
Tem ideia de qual foi o trabalho mais caro que vendeu nestes 20 anos?
Foi uma obra do Tàpies, há já alguns anos. Vendemo-la por cerca de 300 mil euros.
A crise de que falava teve reflexo em termos criativos?
Acho que, como em tudo, às vezes é preciso haver uma crise, para haver uma ‘peneiragem’ e uma selecção. As crises servem para isso. Na euforia tudo acontece e tudo surge e há muita coisa que não tem qualidade. Hoje há uma geração de artistas muito boa, mas acho que há demasiados cursos artísticos. Em Portugal temos 40 cursos de Artes Plásticas e não há lugar para todos. Há ainda outra lacuna importante: falta um museu que seja uma referência para os artistas nacionais, e para quem nos visita, com uma colecção permanente. O Porto seria a cidade ideal para criar uma instituição dessas. Quer fosse ligada a Serralves ou não.
A Gulbenkian ou o CCB em, Lisboa, não cumprem esse papel?
A Gulbekian sempre fez o papel de Ministério da Cultura e é uma grande instituição. Tem feito um belo trabalho, mas não tem grandes obras e adquire-as de acordo com quem lá está a geri-la. Infelizmente, as instituições funcionam muito mal em Portugal e só compram a quem lhes interessa. Estou um pouco revoltado com toda esta situação. Investiu-se em obras megalómanas, onde não existe circulação de artistas, como é o caso do CCB.
Enquanto galerista sente que tem uma missão na cultura e nas artes?
Acima de tudo somos uma instituição privada, com uma finalidade comercial. Mas temos uma função pedagógica e cultural muito vincada. Enquanto galeria fizemos um trabalho, que em certa medida, devia ser feito pelo Estado. Já cá trouxemos 40 artistas internacionais e temos feito os artistas portugueses circularem, sem ganhar nada. Exige muito empenho e sacrifício. Vendemos pouco, porque quase não existem coleccionadores em Portugal. Deviam ser as instituições a comprar-nos para o seu acervo e para as suas colecções. E não o fazem. Muitas vezes compram aos artistas directamente e contornam certos princípios éticos. Isto é uma selva.
Falta ética neste negócio?
O mercado é muito pequeno e há cumplicidade entre galeristas e artistas, mas nem sempre as coisas funcionam como deveriam funcionar. Lá fora quem meter o pé na poça é arrumado, aqui há sempre artistas a contornarem o sistema. Em Londres, Nova Iorque e Paris existe um respeito muito grande pelas galerias. Se os artistas não correspondem ao acordo, saem do circuito. Aqui os artistas usam e abusam, tal como as próprias galerias, que nem sempre são profissionais.
O Porto está inegavelmente na moda. Sente alguma repercussão neste fluxo de gente que visita a cidade?
Esta popularidade teve como pontapé de saída o movimento que começou na Miguel Bombarda. É inegável que a economia tem crescido significativamente graças ao turismo, mas nunca nos podemos esquecer que temos de investir na cidade e de dar apoio a quem nos visita. Directamente não beneficiamos com o turismo, porque nunca vendi uma peça a um turista, mas temos a porta aberta a quem nos visita e por isso fazemos parte do movimento. A economia da cultura é um filão e está a ser mal aproveitada. Se queremos investir no turismo, temos de investir na cultura. Nem sempre é preciso ter grandes espaços para fazer grandes iniciativas. É importante ponderar investimentos, para não deixar elefantes brancos para alimentar.
Tem alguma ideia de como pôr as coisas a mexer, com pouco dinheiro?
Mais do que dinheiro é preciso vontade política e deixar que as pessoas também tenham a possibilidade de apresentar essas ideias. Temos um potencial tão grande… Noto que a juventude, com a falta de emprego e com formação e visão que adquiriu, acaba por importar ideias incríveis. As pessoas que emigram, por exemplo, acabam por voltar com novas ideias. Envolver as pessoas é fundamental, mas a autarquia tem de apoiar.
O seu contacto com a arte e a cultura vem de muito cedo, não é verdade?
Nasci e cresci envolvido pelas artes. O meu pai estava ligado ao Museu Amadeo Souza Cardoso, em Amarante. Os museus locais sempre resistiram à base de carolice. O meu pai acabou por envolver todos os filhos em trabalhos de montagens e no funcionamento do espaço. E a verdade é que foi o museu mais dinâmico que houve no país, nos anos 60, 70 e 80. Era uma referência nacional.
Como veio parar ao Porto?
Fui convidado a fazer parte da galeria Nazoni, que para mim foi uma universidade. Estive por lá sete anos e foi fundamental. Acabei por sair e montar uma galeria com o meu nome, junto ao Palácio de Cristal, e dois anos depois estava na Miguel Bombarda, porque havia imensos espaços livres. Foi um acaso. Quando me instalei fui convidando colegas para virem para cá, de forma a concentrarmo-nos aqui. Hoje não me queixo de nada, porque quando as pessoas têm o privilégio de fazer aquilo de que gostam, são pessoas felizes. É o meu caso.