Nos cinco primeiros capítulos, Ursula Todd (tod é morte em alemão) morre de cinco maneiras diferentes. No sexto, impede que o enredo se repita de forma fatídica, empurrando uma criada das escadas abaixo, para que esta não vá à festa onde contrairia gripe espanhola. Ursula sente que parte do seu futuro está sempre atrás dela. A sua vida, ou, melhor, as suas vidas, são uma sucessão de déjà vus, “uma cascata de ecos” e de quedas na escuridão. Entretanto, ela aprende que “da prática nasce a perfeição”. E se, tirando partido desta estranha qualidade de presciência, mudasse o curso da História, disparando contra Hitler, num café de Munique, em 1940?
Vida Após Vida é uma saga familiar na Inglaterra das duas grandes guerras, um virtuosismo de manipulação e controlo sobre o destino das personagens. O dispositivo ex machina inclui uma violação, um cadáver não identificado, vários assassínios, um aborto clandestino, violência doméstica, bombardeamentos (num deles, Ursula morre, mas chama-se Susie), suicídios com cianeto, vários nascimentos, mas a morte sempre por perto.
A estratégia é ardilosamente bem gerida. Não fora isso e, na primeira metade, o ambiente impregnadamente inglês pesaria como cenário hirto e fora de moda. Mas Atkinson sabe alimentar a suspensão e a credulidade do leitor e vai muito, e bem mais longe: do blitz londrino, quando Ursula é uma vigilante da organização Air Rade Precautions, até à Alemanha de 1933, 1939 e 1945, quando Ursula, casada com um alemão, mãe de uma criança alemã, está próxima de Eva Braun e de Hitler ou encurralada pela catástrofe. Vida após vida, Ursula tenta prevenir o pior, mas o romance homenageia afinal o amor fati, a aceitação do destino, por mais retorcido que ele seja.
Vida Após Vida
Kate Atkinson
Relógio d’Água
486 págs., 24 euros