Luís Alves, que parece ter poucas dúvidas sobre o terreno que pisa, começa por explicar: “Os últimos dois anos vão ficar para a história da agricultura em Portugal. É diferente do que aconteceu quando aderimos à União Europeia. Hoje a maior parte dos novos agricultores são licenciados ou possuem outras formações superiores, e sabem que nas suas áreas não terão saída nos próximos anos. Percebo que há uma consciência generalizada de que a vida de ontem já acabou. Ninguém sabe bem qual é o caminho, mas todos querem traçar um, que por vezes passa pelo regresso às raízes e à terra”. Romantismos à parte, o empresário frisa que é possível viver, “e bem”, da agricultura, apesar de ser uma actividade que exige resiliência e conta com um sócio de humores flutuantes: São Pedro. “Isto não é para gente racional, porque é imprevisível e implica pensar a médio e longo prazo. Não tem retornos rápidos. Há que semear e cuidar para mais tarde colher”.
Nesta quinta pratica-se agricultura biológica, que recupera práticas e técnicas tradicionais, sem descurar a mais recente tecnologia. O ecossistema composto pelo lago, flora e fauna tornam o ciclo natural biológico e auto-sustentável. Além das dezenas de espécies de aromáticas, é possível ver a passear livremente raças de bovinos autóctones (barrosãs), cavalos (garranos), burras (mirandesas), e ainda ouriços-cacheiros, morcegos, inúmeras espécies de aves e até abelhas. Estas funcionam como bioindicadores infalíveis. Duarte Reis, apicultor, é um dos dez colaboradores que compõem a equipa. Enquanto nos faz uma visita guiada pelo local, e nos dá a cheirar algumas espécies, aponta: “Ao estarmos rodeados por uma estrutura urbana, é fácil sermos invadidos por insecticidas dos vizinhos. Mal reparamos numa alteração na reprodução das abelhas, percebemos que temos uma questão a resolver”.
A ‘época alta’ das aromáticas começa na Primavera quando as espécies são plantadas ou semeadas. “Dois ou três meses depois fazemos os primeiros cortes e depois fazemos seis a oito cortes, por cada aromática. Nunca de manhã muito cedo, por causa da humidade, que estraga o processo de secagem. A secagem dura 48 horas e depois embalamos”, explica Duarte Reis. “Isto alarga o prazo de vida das aromáticas, tornando a actividade empresarial confortável e viável. Em vez de três semanas, passam a durar três anos”.
A concorrência não assusta
Com 12 anos de vida, este projecto agrícola tem como filosofia ‘partilhar para crescer’. Luís esclarece: “Partilhamos tudo. E o nosso conhecimento é oferecido já há muitos anos no nosso blogue. Temos também um programa de voluntariado nacional, através do qual as pessoas podem passar aqui o tempo que quiserem e assistem e participam em todos os processos de produção. Todos os actuais produtores de ervas aromáticas nacionais passaram por cá como voluntários”.
Ao contrário do que seria de esperar, a futura concorrência não constitui uma ameaça, pelo contrário: “O mercado para este tipo de produto não é o dos ‘chazinhos’ e dos condimentos. O verdadeiro mercado para estas matérias-primas não existe em Portugal. É o da indústria farmacêutica e da cosmética. Os maiores compradores são os alemães, onde está a indústria farmacêutica concentrada, tal como a França e Itália, pela cosmética e culinária. Quem se dedica às aromáticas tem que ter consciência que o produto é exportável. Aqui em Portugal as vendas são pontuais”. Sendo uma das dificuldades da exportação a falta de volume de produção há, desde 2008, células de agricultores que se organizam. “Cada um envia a sua parte, facturando individualmente. Desta forma até os mais pequenos vendem. A logística é a parte mais complicada da exportação. Ao partilharmos informação tornamos a logística mais ágil e eficiente”.
A disseminação de conhecimento é outra das grandes preocupações da empresa e tem dado origem a parcerias com universidades e estagiários, que aparecem com propostas de pesquisas em diferentes áreas. Consequentemente, a etapa seguinte será levar avante uma investigação na análise sensorial de infusões, que contou com 240 mil euros de apoio por parte do QREN, e que promete uma pequena revolução no mundo das infusões e do conhecimento sobre a matéria das aromáticas. “Já sei tanto sobre elas e ainda assim precisava de mais algumas vidas para saber tudo. Mas em Portugal ainda há pouca informação e pouca investigação”, desabafa o empresário. “No chá, a segmentação do mercado é grande. Há chá quase ao preço do ouro e há chá acessível. De cada parte da planta do chá – a Camellia sinensis – obtém-se uma qualidade diferente”, explica. “Com as infusões misturam-se as várias qualidades, independentemente do tipo. Neste trabalho de investigação queremos segmentar a qualidade das ervas. Por exemplo: só colhemos as pontas das plantas nos dias mais compridos de Verão, que é quando a planta recebe óleos e açúcares concentrados. Com isso conseguimos logo uma análise sensorial completamente diferente. Queremos concentrar-nos mais no prazer que dá e menos nos efeitos medicinais. Como no vinho. Vamos criar reservas. Vai ser o primeiro trabalho do mundo nesta área. Vai dar que falar”, promete o jovem agricultor.
Aberta ao público de segunda a sábado, a quinta tem disponível um pequeno espaço de venda de produtos de produção própria, um programa regular de workshops temáticos (que vão da aromaterapia à culinária) e visitas guiadas à comunidade. Os portões estão abertos para quem quiser (re)descobrir a magia das aromáticas.