‘Durão Barroso era um privilegiado’

Maria Filomena Mónica, autora de dois livros sobre as salas de aula, critica o excesso de burocracia nas escolas e diz que era preciso “implodir o Ministério da Educação”.

A escola pública é um inferno?

A escola pública é uma das melhores instituições do mundo moderno. Porque ensina as pessoas a ler e a pensar e dá-lhes oportunidades de vida. Imagine um mundo sem escola, só os ricos tinham acesso à educação. É uma conquista e eu defendo a Escola Pública. É um dos veículos de mobilidade social, senão o único. Acontece que gostava que fosse melhor.

A massificação é o maior problema?

Passámos de uma escola pequena de elite, que era a minha, para uma escolarização total. Não estávamos preparados para ter doze anos de escolaridade obrigatória. Havia uma escola da classe média, com professores e pais da classe média e era fácil ensinar porque os miúdos estavam habituados a regras elementares. Em parte por culpa do Ministério, em parte porque a sociedade mudou muito e a escola massificou, a Escola Pública perdeu o norte. E passam-se as coisas mais loucas: no livro há a descrição de uma aluna que pinta as unhas na aula. Cada ministro que chega desata a fazer novas leis. Todos os dias há decretos, portarias, circulares e normativos vários a que os professores têm que obedecer. A única coisa que peço hoje aos ministros é que parem, deixem os professores em paz!

Concorda com Durão Barroso quando diz que antes do 25 de Abril havia uma ‘cultura de exigência’?

Não tem pés nem cabeça o que ele disse. Esquece-se do facto fundamental: 87% das crianças estavam no campo e portanto a escola não era de excelência, era selectiva do ponto de vista social. Ele que meta isso na cabeça! Ele era um dos privilegiados, como eu fui, cujos pais tinham dinheiro e vontade de manter os filhos a estudar. A escola de que Durão Barroso fala era altamente ideológica. Não é que a do pós-25 de Abril não seja, toda a escola tem uma componente de valores, mas basta inculcar valores de ditadura, como a condenação da liberdade e da liberdade de expressão, para não ser uma escola de excelência, ponto final parágrafo. Como é que Durão caiu nesta armadilha? E como é que ninguém lhe caiu em cima?

Mas ainda há muita gente que recorda com saudade esse tempo…

90% disso é a nostalgia da infância. Eu também às vezes tendo a pensar ‘Ah que bom que era quando tinha um laçarote na cabeça de tafetá e um bibe todo de renda e íamos a festas e a família reunia-se’. Sou pouco dada a nostalgias, dispenso. Aquele mundo era pior, ponto final parágrafo. Basta haver polícia política e censura para ser o pior de todos os mundos!

Nuno Crato tem feito um bom mandato?

Estava com muitas esperanças, aparentemente era meritocrata, pela exigência. Só o conheci duas vezes, uma delas numa entrevista na televisão em que disse que era preciso implodir o ministério. Eu também acho que é preciso implodir o ministério. Mas não implodiu nada, aumentou a confusão.

Se fosse ministra qual era a primeira medida que tomava?

Queimava todos os computadores, ficava toda a gente proibida de mandar ordens para os professores e os professores iam ensinar em vez de preencher formulários patetas. Revia todos os programas e nenhum podia ter mais que três páginas. Os professores podiam disciplinar os alunos sem aparato burocrático. Toda a burocracia que cai em cima das escolas acabava. A única maneira de melhorar é dar mais autonomia às escolas, embora com um cânone nacional, não vá os meninos do Norte ficarem todos católicos e os do Sul todos comunistas. Depois tem de haver um sistema de inspecção escolar muito poderoso e autónomo. O problema é saber quem é que pode ser autónomo em Portugal: fora dos partidos, fora do poder local, fora do ministério. Olhe, não sei resolver esse problema!

sonia.cerdeira@sol.pt