Hoje, passados quase 500 anos, continuamos a olhar para as superstições como práticas primitivas e obscurantistas, indignas da nossa civilização. Eu também pensava assim – e ainda penso. Que importa se um gato preto se cruzou connosco na rua? Qual é o problema de passar debaixo de uma escada, desde que ela não nos caia na cabeça? Ou por que haveria a sexta-feira 13 de ser um dia diferente dos outros? Mas há um domínio da vida em que, por mais que tente, não consigo ser imune às superstições: o futebol.
Por alguma razão, acredito que o facto de assistir ou não a um jogo pela televisão pode ter interferência no resultado. E não estou sozinho: há tempos um amigo dizia-me inconsolável que desde que tinha começado a torcer por uma certa equipa de basquetebol, essa equipa tinha iniciado uma série inédita de resultados negativos…
Outro amigo com quem falei sobre o assunto encontrou uma explicação para os meus receios: “No fundo, isso é uma forma que arranjaste de acreditares que podes ter alguma influência sobre um acontecimento que te ultrapassa por completo”. Mas eu não fiquei plenamente convencido. E a ciência até me dá razão: se, segundo a teoria do caos, o bater de asas de uma borboleta em Nova Iorque pode gerar uma tempestade do outro lado do mundo, por maioria de razão o ligar de um aparelho de televisão nos arredores Lisboa pode afectar um jogo que está a acontecer na outra ponta do país…
Brincadeiras à parte, é instrutivo ver o que disseram acerca deste tema três grandes escritores. Fernando Pessoa, que se dedicou apaixonadamente à astrologia, escreveu no Livro do Desassossego: “Saber ser supersticioso ainda é uma das artes que, realizadas a auge, marcam o homem superior”. Goethe – que disse “a superstição é a poesia da vida” – teria concordado. E Truman Capote também. Questionado sobre as suas peculiaridades, o autor de A Sangue Frio declarou: “Há pessoas a quem nunca telefono porque a soma dos algarismos dá um número azarado. Ou posso não aceitar um quarto de hotel pela mesma razão. […] Nunca permito que haja três beatas num cinzeiro. Não viajo num avião com duas freiras. Não começo nem acabo nada a uma sexta-feira. As coisas que não posso fazer não têm fim. Mas retiro um conforto curioso de obedecer a estes preceitos primitivos”.
Quando há alguns anos entrevistei Artur Jorge, o antigo jogador e treinador falou-me dos rituais que certos colegas tinham antes dos jogos e como punham medalhas dentro das botas e noutros locais inusitados. Os cépticos acharão tudo isto um disparate pegado, mas eu faço-lhes duas perguntas simples:
1. Lembram-se do final de época azarado da equipa de futebol do Benfica no ano passado?
2. Sabem que posição ocupava o canal do clube no alinhamento do Meo?
Pois é, este ano a Benfica TV mudou para o posto 20 e… bom, o melhor é não falar antes do tempo.
jose.c.saraiva@sol.pt
