O que mudou no imobiliário depois do 25 de Abril

Na altura em que se comemoram os 40 anos do 25 de Abril de 1974, o SOL falou com quem viveu antes e depois da Revolução dos Cravos, para perceber o que mudou no imobiliário. Tal como nas outras áreas da sociedade, a forma de habitar também alterou.

Antes do 25 de Abril, o arrendamento era a opção da maioria dos portugueses. Ou se arrendava uma casa ou juntavam-se vários agregados familiares na mesma habitação. Por isso, era habitual as casas terem muitas assoalhadas, ainda que pequenas. Quem investia em imobiliário eram pessoas com rendimentos elevados e outros que juntavam poupanças para comprar prédios ou casas para depois arrendarem. O financiamento dos bancos era quase inexistente. Era este o cenário antes de 1974. Depois, tudo mudou.

António Ribeiro de Freitas, administrador da Preditur, mediadora fundada em 1972, acompanhou no terreno as mudanças e tem uma noção clara das transformações. «Logo após o 25 de Abril, os investidores deixaram de comprar e construir, porque os tempos conturbados tornaram o mercado instável. Não sabiam o que ia acontecer e retraíram-se», lembra.

Se hoje estamos a viver momentos difíceis, Ribeiro de Freitas recorda os anos de 75 a 85 também foram muito complicados para o sector: «A banca ainda estava praticamente fechada ao empréstimo ou as taxas eram de 30%, algo incomportável».

Destaca também que o mercado era muito pequeno e apenas se iam vendendo casas usadas: «Era inclusive um sector também com muito poucas empresas de mediação, pouco mais de 100».

Bater no fundo em 1985

Também Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário (CPCI), lembra essa época: «A convulsão política até meados da década de 80, em resultado das actuações incoerentes dos Governos que se sucediam, fez com que se assistisse, em 1985, ao que na altura se chamou ‘o bater no fundo’ do sector».

Entretanto, entrámos na Comunidade Económica Europeia em 1986 e tudo mudou. «A posterior liberalização/privatização de sectores como a banca deu início a um novo ciclo de crescimento económico, em que esta actividade assumiu, de forma inequívoca, o seu papel de motor do desenvolvimento», explica Reis Campos. Chegou depois a Expo 98 e o mercado imobiliário em Portugal transformou-se radicalmente. Até 2005 foram desenvolvidas grandes obras, sendo a época dourada do sector.

Reis Campos lembra ainda um início da década de 90 marcado por outra crise, contudo o país foi capaz de suprir as necessidades habitacionais, de se modernizar e de criar infra-estruturas, aproveitando fundos comunitários. «Durante esta década, o sector liderou o crescimento da economia portuguesa, contribuindo para um dos melhores períodos e permitindo uma nítida recuperação face a outros países europeus», salienta.

Também Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, revela outras mudanças importantes que se registaram depois do 25 de Abril. «Passou-se, por exemplo, de uma baixa percentagem de habitações com luz eléctrica e água canalizada para uma realidade diferente, em que a maioria das casas passou a ter isso e muitas também ligações a redes de saneamento básico, antes quase só existentes em alguns centros das cidades».

Portugal passou a ser um país de proprietários

O responsável adianta também que Portugal deixou de ser um país de poucos proprietários e muitos arrendatários, para se tornar noutro onde a maioria das famílias foi incentivada, pelo Estado e pelo sistema financeiro, a ter casa própria, paradigma do final do século XX. Segundo o censo realizado pelo INE em 2001, existiam quase 2,7 milhões de proprietários para menos de 0,9 milhões de inquilinos. Quatro décadas antes, em 1960, eram menos de um milhão de proprietários para quase 1,6 milhões de inquilinos.

Luís Lima refere ainda que a dimensão das casas também sofreu alterações e o espaço por habitante aumentou significativamente. «Considerando a área útil das habitações, direi que as novas e as reconstruídas são maiores ou albergam menos gente, admitindo que este aumento de espaço por habitante esteja também a diminuir, embora já não para os valores mínimos de há 40 anos», esclarece.

Grandes obras após Abril

Reis Campos lembra obras depois do 25 de Abril que marcaram o país, como a Expo’98, os estádios do Euro 2004, o Metro do Porto, a barragem do Alqueva e as inúmeras auto-estradas, pontes, viadutos e túneis que rasgaram o país, para referir apenas algumas. Na opinião do responsável da CPCI, essas obras atestam bem a competência das empresas e dos projectistas portugueses, que criaram valor com base na experiência interna e procuraram novos mercados iniciando e consolidando a internacionalização.

Luís Lima também considera que a qualidade das habitações é muito melhor do que há 40 anos. Isto não só pelo aparecimento de novos materiais de construção – melhores, mais fiáveis e até mais baratos -, mas também devido ao crescimento do poder de compra dos portugueses.

António Ribeiro de Freitas refere também que agora vive ‘apenas’ mais uma crise no seu percurso de mais de 40 anos no imobiliário, acreditando que irá ser ultrapassada. Mas admite que nada será como antes: nem face ao baixo nível antes do 25 de Abril; nem face aos tempos dourados dos anos 90 do século passado. «Iremos caminhar para uma nova abordagem do imobiliário. A compra vai continuar e o arrendamento também, mas apenas como uma franja do mercado», conclui.

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