O triplo zero

Deflação é um conceito novo para gerações e gerações de cidadãos. Conhecemos (bem de mais!) inflação, penámos com a desinflação (isto é, redução da inflação) mas agora o espectro em Portugal e na área do euro é a deflação, ou seja uma taxa de inflação abaixo de zero – e este é o primeiro de…

O exemplo mais conhecido de experiência deflacionária é, claro, o do Japão, cuja taxa de inflação tem oscilado entre 0% e -2,5% desde meados da década de 90 do século passado. As suas causas também são mais ou menos conhecidas: quase sempre um colapso da procura agregada – a redução da despesa leva os produtores a cortes regulares dos preços para, assim, encontrar compradores.

À primeira vista ter os preços a cair de forma regular e generalizada parece uma coisa boa. Quem não gostaria de viver num mundo onde em cada ano as coisas são mais baratas do que no ano anterior? Contudo não é difícil perceber que uma inflação negativa seja um problema, especialmente quando há alguns preços (ou outras grandezas definidas em euros) que não acompanham a tendência geral para a queda. Uma primeira consequência é a redistribuição arbitrária de riqueza dos devedores – que vêem o valor real das dívidas fixadas em termos nominais aumentar – para os credores. O fenómeno é exactamente o oposto do que se passa com inflação não antecipada (recorde-se, por exemplo, como a inflação dos anos 80 erodiu o valor das dívidas imobiliárias).

Mas um outro efeito é mais importante: muitos salários não acompanham imediatamente a descida dos outros preços – em Portugal, por exemplo, são mesmo proibidos as reduções de salários – e, consequentemente, a deflação conduz ao aumento dos salários reais. E este é o segundo zero da nossa história: a rigidez das variações salariais em torno de zero faz com que a deflação reduza o emprego, deprimindo ainda mais economias que tipicamente já estão muito enfraquecidas.

Como a experiência japonesa mostra, a deflação é extremamente difícil de debelar. Isto é, em si mesmo, intrigante. De facto, seria de supor que uma expansão suficientemente agressiva da quantidade de moeda seria suficiente para estimular a despesa e, desta forma, estancar a queda dos preços. Na realidade assim não é. Estes episódios, tal como agora, estão normalmente associados a taxas de juro (de instrumentos de curto prazo) quase nulas – o terceiro zero! – e que, portanto, não podem descer mais (pois as taxas de juro nominais não podem ser negativas), pelo que a política monetária perde a sua eficácia. Esta situação é vulgarmente chamada 'armadilha da liquidez'.

Muito do que há a fazer neste cenário não depende de nós pois respeita à condução da política monetária na Área do Euro. A disponibilidade para acções não convencionais (ou seja, monetizar activos cujas taxas de juro não estejam próximas do limite de zero) é uma boa notícia. Seria também bom um compromisso de manter a política monetária firmemente expansionista mesmo quando as economias começarem a recuperar. Pela nossa parte deveríamos arrumar a casa aliviando alguns dos zeros que nos tolhem ou seja, flexibilizar a fixação salarial permitindo, em particular, reduções salariais quando as condições de mercado o justifiquem.