Juíza quis condenação mais severa no BCP

Tendo em conta a totalidade dos factos de que eram acusados, Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal e António Rodrigues tiveram uma ‘meia condenação’: os juízes da 8.ª Vara Criminal de Lisboa consideraram, por dois votos contra um, que apenas são responsáveis por crime de manipulação de mercado com offshores controladas pelo BCP após 2002. De resto,…

Integraram o tribunal os juízes Anabela Mendes Morais (presidente), Pedro Afonso Lucas e Helena Susano. Esta, porém, votou contra, tendo feito uma declaração em que defende que todos os arguidos deveriam ter sido condenados, incluindo pelos factos anteriores a 2002 e pelo crime de falsificação de documento. Explica que crê “convictamente” que os arguidos autorizaram e sabiam de tudo desde o início, e que a versão dos gestores “é absolutamente incongruente e inverosímil”, não merecendo “nenhuma credibilidade”.

21 offshores que controlaram 5% do BCP durante anos

Recorde-se que este processo iniciou-se em 2007, com denúncias e auditorias do Banco de Portugal e da CMVM. A 9.ª secção do DIAP de Lisboa deduziu acusação dois anos depois, tendo o julgamento decorrido entre 2012 e 2013. Em causa estão 21 offshores constituídas entre 1999 e 2000 e que, segundo a acusação, foram criadas pelo BCP para subscrever acções do banco em aumentos de capital. Através dessas offshores, que transaccionaram milhares e milhares de acções, com reflexos na respectiva liquidez e rendibilidade, influenciou-se o mercado e sustentou-se a expansão do banco.

No acórdão, proferido há uma semana, conclui-se que “não ficou demonstrado que, até finais de 2002, essa actividade dos veículos das offshores” fosse do conhecimento dos arguidos. Estes acabam condenados porque, a partir de 2002, quando tiveram conhecimento, não fizeram nada para alterarem a informação errada que o BCP apresentava ao mercado e aos supervisores sobre as suas contas.

Assim, Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal e António Rodrigues foram condenados em penas de dois anos de prisão, suspensas mediante o pagamento de multas a instituições de âmbito social: o fundador do BCP, porque era presidente, terá de pagar 600 mil euros e os outros 300 mil euros cada um. Já anunciaram intenção de recorrer.

“É, a meu ver, de uma ingenuidade que me não veste, aceitar a versão dos arguidos de que autorizaram as concessões de crédito nestes montantes de centenas de milhões de euros, sem jamais perguntar e saber a quem (…)”, salienta a juíza Helena Susano no voto de vencida, frisando que “em nenhum banco isso existe”.

'Paradoxal'

E recorda o que se passou em tribunal: “De forma paradoxal, deparamos com os funcionários inferiores a relatar que receberam e executaram ordens, e os responsáveis superiores a declarar que confiavam nos funcionários inferiores e, mesmo sem saber a identidade e capacidade financeira da empresa financiada, autorizaram empréstimos que chegaram quase a 600 milhões de euros”.

“Ou seja, na versão dos arguidos, os administradores e quadros intermédios de escalão superior concederam empréstimos às offshores para aquisição de acções BCP, em montante que atingiu quase os 5% do capital do banco, e não sabiam a identificação de a quem o concediam, porque todos confiavam no funcionário hierarquicamente mais abaixo” – acrescenta a magistrada, ironizando de seguida: “É caso para dizer que, nesta matéria primordial como é a dos financiamentos (…), a única qualidade profissional que se exige aos quadros superiores e administradores é a da enorme capacidade de confiar no trabalho dos seus subordinados!”.