Padres envolvidos em raptos de recém-nascidos no Chile

Está a ser investigada uma rede que envolveu Igreja Católica, médicos, advogados e famílias abastadas no rapto e tráfico de recém-nascidos no Chile. A maior parte dos casos remontam às décadas de 70 e 80 e aconteceram em pelo menos seis hospitais e clínicas de Santiago.

Padres envolvidos em raptos de recém-nascidos no Chile

Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na vizinha Argentina, onde centenas de bebés nascidos em centros de detenção foram retirados às mães (logo executadas) e entregues a famílias favoráveis à ditadura militar, durante a Guerra Suja (1976-1983), no Chile as motivações para os raptos não foram políticas.

A maior parte das mães chilenas eram jovens solteiras cujas famílias não queriam passar pela ‘vergonha’ de terem um bebé nascido fora do casamento. Havia inicialmente pressão para as mães entregarem as crianças à adopção, de uma forma ilegal: os bebés seriam ‘dados’ a casais que queriam ter filhos. Segundo o Centro de Investigação Jornalística (CIPER na sigla original) chileno, que revelou o caso, as grávidas que resistiam à ideia de se separar dos filhos eram adormecidas durante o parto: quando acordavam ficavam a saber que o bebé tinha morrido e que já tinha sido enterrado. 

O padre Gerardo Joannon revelou-se uma figura-chave no esquema. Como o próprio confirmou ao CIPER, “uma jovem solteira com um bebé era muito mal vista”. Joannon admitiu ter trabalhado com dez médicos nas adopções ilegais – mas apenas nos casos em que as jovens não queriam ficar com os recém-nascidos: “A única coisa que fazia era pô-las em contacto com um médico que fazia o esforço de encontrar uma família desejosa de ter um filho”. No entanto, pelo menos uma mulher já avançou que o padre a tinha pressionado a dar o filho. Mediante a recusa da então jovem, o bebé desapareceu.

Sem dar mais nomes, o CIPER assegura que há mais religiosos envolvidos. Gerardo Joannon foi suspenso. Vários médicos que participaram nos raptos já morreram. 

Alex Vigueras, porta-voz da Igreja Católica no Chile, condenou os actos de Joannon e garantiu que iria colaborar com as autoridades na investigação: “O que me perturba mais é terem dito que as crianças morreram, sabendo que era mentira”. Foram inclusive celebradas missas pelos bebés alegadamente mortos.

ana.c.camara@sol.pt