O país está indiscutivelmente mais pobre. Houve um empobrecimento forçado em todos os escalões da classe média, dos mais altos aos mais baixos – no que respeita a salários reduzidos ou congelados, a um 'enorme aumento' da carga fiscal e ao corte acentuado nos montantes das pensões.
Mas esse caminho era inevitável? Por muito constrangedor que seja admiti-lo, a verdade é que era inevitável. Portugal construíra artificialmente, nos últimos 20 anos, uma sociedade que se habituara a viver de empréstimos e do crédito fácil – e era-o, em particular, para um aparelho de Estado que vinha acumulando anos e anos a gastar bem mais do que tinha e do que podia. O Estado crescera desmesuradamente nos últimos anos da governação de Cavaco Silva. E tornou-se irresponsavelmente despesista no florescente consulado de António Guterres.
Há três anos, relembre-se, quando José Sócrates quase levava o país à bancarrota e teve que ir de mão estendida pedir o auxílio financeiro da troika, o défice português estava nos 9,1% do PIB, o que significava um gasto excessivo anual de 16.175 milhões de euros – ou, traduzindo por miúdos, um aumento da dívida de 44,4 milhões de euros por dia. Algum país é sustentável com tais níveis de endividamento, ano após ano? Portugal conseguiu baixar o défice, no final de 2013, para 4,9% do PIB e um saldo anual negativo de 8.121 milhões de euros. Quase metade do que era – e, ainda assim, continua a fazer crescer a sua dívida em cerca de 22 milhões de euros todos os dias…
O reverso deste processo doloroso de ajustamento e empobrecimento foi o facto de as incontáveis falências e o histórico desemprego terem servido, em parte, para o país regenerar a sua obsoleta e conservadora estrutura produtiva: desapareceram milhares de restaurantes, chafaricas de construção civil, cabeleireiros, oficinas rudimentares – que praticavam uma economia de subsistência, com produtos e serviços de baixa qualidade e uma mão-de-obra desqualificada, sem mercado e sem futuro.
Por outro lado, o país habituou-se nestes três anos a gastar menos, a viver com menos, a endividar-se menos – não só o 'monstro' do Estado, mas também muitas empresas e muitas famílias cronicamente endividadas e a própria banca que se viciara a viver dos financiamentos do exterior. Já não é mau…
Esperemos que esta cura forçada, de sacrifícios e redução do nível de vida, tenha alterado verdadeiramente os hábitos despesistas tão enraizados em todos os sectores da nossa sociedade. E que não se registe agora uma recaída aos primeiros ventos eleitoralistas – levando o défice público e a dívida a voltarem a crescer já a partir de 2015. Pela mão da actual maioria ou de qualquer mentalidade socratista de regresso ao poder.