Decidiu participar na produção do filme Dr. Jekyll and Mr. Hyde, depois da morte do actor Mickey Rooney. Porquê?
Quis ter o meu nome envolvido no último filme do Mickey Rooney. Foi um actor que me deu tantas alegrias na vida que quis ter o meu nome ao lado do seu na sua despedida. Isso dá-me algum prazer pessoal.
Foi então uma decisão emotiva e não racional?
Foi uma decisão de doidos, sim… mas não tem nada de extraordinário. Fiz dois ou três telefonemas e troquei uns emails com a produção. Basicamente bati à porta e obriguei-os a deixarem-me entrar.
Como se processou isso?
Tive a oportunidade de conhecer o Mickey Rooney em Londres, de o reencontrar em Lisboa, de o ver ao vivo na peça Sugar Babies, um espectáculo musical-teatral que fez durante anos ao lado de Ann Miller e que correu mundo com ele. Sempre admirei muito a sua carreira e o facto de ter começado com quatro, cinco anos e acabado com 93. Vem desde o cinema mudo e ao longo de décadas fez mais de 300 filmes. É uma pessoa notável, por quem sempre tive um grande respeito. Quando soube que tinha morrido, fui pesquisar o que andava a fazer e percebi que tinha acabado de filmar este projecto com a sua melhor amiga, a Margaret O’Brien. Tentei ver como podia participar, troquei uns emails com o produtor, que me disse que estava aberto a participações e envolvi-me dessa forma.
Foi uma participação financeira?
Sim, mas os valores ficam entre mim e o produtor principal. O que aconteceu foi algo parecido com um crowdfunding. No ano passado, aliás, a produção tinha promovido uma campanha de crowdfunding de que eu não estava a par. Não contribuí na altura, fi-lo agora.
Tem por hábito financiar filmes através deste tipo de campanhas?
Sou um grande defensor do crowdfunding no cinema português e já financiei alguns filmes assim, entre eles o documentário Bibliografia, de João Manso e Miguel Manso, e a curta Bastien, um filme em que acabei por entrar com a Maria do Céu Guerra. É uma excelente forma de produzir obras que de outra forma não poderiam ser feitas. Durante o último ano, o cinema em Portugal praticamente não existiu, a não ser pela boa vontade e carolice de algumas pessoas. Se os projectos conseguirem captar o entusiasmo das pessoas, esse entusiasmo pode ser contagiante. Se cada pessoa contribuir com 10 euros para um projecto em que acredita, há filmes fantásticos que podem ser feitos. Não é preciso dar fortunas, nem ficar na miséria.
Este ano vamos vê-lo no grande ecrã em Os Maias, de João Botelho, e em The Casanova Variations, com John Malkovich. Como é trabalhar com uma lenda como Malkovich?
É tão fácil, tão simples. Tão tranquilizador. Quando fiz quatro episódios da telenovela Passione, da TV Globo, só contracenei com a Fernanda Montenegro e foi uma experiência semelhante. Quanto maior é a dimensão do artista, mais simples é trabalhar com ele. Os nervos de véspera são muito maiores, mas a tranquilidade da contra-cena, do ensaio, é de uma paz e de uma segurança absolutamente brutal. Eles só querem que saia tudo na perfeição, não há vedetismos, nem peneiras. Trabalhar com o Malkovich foi algo irrepetível, daqueles momentos mágicos que acontecem quase por milagre.
Para quem decidiu ser actor tão tarde, estes dois trabalhos foram os maiores privilégios que já teve?
Sim, tenho sido um privilegiado… Ainda no sábado estive no IndieLisboa, na estreia de 3X3D, de Peter Greenaway. Ver o meu nome nos créditos finais continua a ser muito irrealista. Parece que estou a ver de fora.
Tem mantido uma carreira discreta, mas além de Malkovich e Montenegro, também tem trabalhado para canais concorrentes e para vários produtores. Ter ‘fair play’ e ser amigo de toda a gente é fundamental para vingar nesta área?
A preocupação principal, seja em que profissão for, é ter trabalho e trabalhar bem. As amizades não podem entrar por aí. Se fosse advogado não ia estar a dar graxa a juízes para ter emprego. Tenho os meus amigos e são muito poucos os que trabalham na área. Não sinto necessidade de andar a passar a mão pelo pêlo aos directores dos canais para ter um papel numa telenovela. Não faço isso, embora os conheça há muitos anos e neste momento me dê bem com todos.
Trabalha há mais de 20 anos em televisão e, antes de ser actor, era jornalista fundador da SIC, de onde saiu em 2007. Alguma vez se arrependeu de ter abandonado o jornalismo?
Não. Tenho conseguido sobreviver e tenho-me divertido imenso. Claro que só como actor provavelmente não conseguiria. Faço outras coisas, coordeno o Janela Indiscreta, do Mário Augusto, e isso dá-me uma estabilidade que não teria só como actor. Como actor há muito pouca gente a sobreviver. É um sector que está numa crise muito complicada e a quem muito pouca gente está a dar atenção. A vida de actor não é ganhar milhares e ter contratos de exclusividade. Bem pelo contrário. É ganhar muito pouco, ter muito pouco trabalho e ter contas para pagar. O que aparece nas revistas são as excepções. Nunca são retratados os casos de miséria por que passam dezenas e dezenas de casas, alguns amigos meus que estão a passar as maiores dificuldades porque não há trabalho para todos. Há cada vez mais o culto dos novos e baratos. Dos bonitos, das raparigas com belas curvas e sem talento nenhum e dos rapazinhos com peitorais. E depois há muito bom talento já com alguma idade que ninguém chama. Em Inglaterra, por exemplo, os actores envelhecem e são elevados a sir, alguns chegam a lord, aqui estão no desemprego, vivem da caridade de amigos ou vão para a Casa do Artista.
E mesmo perante esta realidade não se arrepende de ter mudado de profissão?
Nem um minuto!