O surpreendente sucesso de vendas desta obra mostra algo que já se sabia, mas não neste grau: a preocupação das pessoas com as crescentes disparidades de riqueza e a sua progressiva concentração nas mãos de uma minoria – 1% da população. Este é o grande problema económico, social e político do nosso tempo.
Como escreveu o filósofo e economista indiano Amartya Sen (Nobel da Economia em 1998), todas as teorias e ideias de justiça partem de um qualquer conceito de igualdade – de direitos, de oportunidades, de dignidade das pessoas, de bem estar, o que for. Por isso são por vezes superficiais as críticas ao valor da igualdade.
Há quem desvalorize as desigualdades económicas. Ou porque atribua à inveja a importância que lhes é dada; ou porque defenda a primazia da liberdade, considerando que a igualdade económica apenas se atinge com uma ditadura. Decerto que a liberdade e a total igualdade de situação económica são incompatíveis; e também opto pela liberdade. Mas quando as desigualdades económicas aumentam à velocidade a que estamos a assistir é suicida não prestar toda a atenção ao fenómeno, que poderá destruir a democracia.
Ainda não li o livro de T. Piketty (prefiro lê-lo no original e a edição francesa esgotou), mas atrevo-me a dizer alguma coisa sobre ele, com base em recensões na imprensa internacional e numa entrevista do autor ao N. Y. Times. O livro de Piketty é economia política, com sempre deveria ser, desvalorizando os modelos matemáticos, que raras vezes aderem à realidade. E a análise do economista francês tem uma enorme base empírica.
Piketty valoriza não tanto as disparidades de rendimentos como, sobretudo, as diferenças patrimoniais. Ele acha mesmo que estamos a regressar a um ‘capitalismo patrimonial’ semelhante ao do séc. XIX, sobretudo no crescente abismo entre ricos e pobres.
A tendência para a concentração da riqueza é inerente ao capitalismo, diz Piketty (contrariando Marx). Segundo os seus cálculos o rendimento do capital ultrapassa ao longo dos últimos séculos o crescimento da economia. A riqueza herdada aumenta mais do que a conquistada. Piketty atribui a redução das desigualdades no capitalismo industrial do séc. XX, até por volta de 1970, às duas guerras mundiais, à Grande Depressão, a políticas fiscais redistributivas e à excepcional expansão económica nas décadas a seguir ao fim da II Guerra Mundial.
Tudo isto é discutível. Krugman (Nobel da Economia em 2008) elogia o livro na New York Review, mas nota que nos Estados Unidos conta mais a disparidade de rendimentos do que a diferença de património, pelo menos por enquanto. Discutida é também a proposta de Piketty para combater as desigualdades: um imposto fortemente progressivo sobre a riqueza (que apenas seria eficaz se fosse universal).
Mas este livro é um caso. Não é habitual um longo texto académico tornar-se um bestseller. Ainda bem, porque a questão que Piketty analisa é séria.