A reforma impossível

Entre 1995 e 2010 a despesa pública total subiu em Portugal 70% em termos reais. Depois, com o programa de ajustamento imposto pela troika, a despesa das Administrações públicas baixou um pouco, voltando a subir em 2013.

Ainda em 2011, o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, afirmou não ser nessa altura possível cortar a despesa do Estado de forma racional. Na entrevista a Maria João Avillez, Gaspar reconheceu que deveria ter começado pela reforma do Estado. De facto, esta reforma é condição necessária para cortes estruturais na despesa pública que façam sentido, para além da redução temporária do défice orçamental.

O problema está em saber se alguma reforma do Estado será um dia possível em Portugal. A dependência dos portugueses em relação ao Estado é muito antiga. O ‘corporativismo de Estado’ de Salazar acentuou-a. As nacionalizações de 1975, de sinal político contrário, foram mais um passo nesse sentido.

O esboço de Estado social que tomou forma após o 25 de Abril levou as famílias a baixarem drasticamente a poupança, confiando em que o Estado lhes valeria na doença, no desemprego, na velhice. Depois, percebendo que esse Estado social era financeiramente insustentável, as famílias portuguesas racionalmente subiram as suas poupanças, apesar de o seu rendimento disponível ter entretanto emagrecido, por causa da austeridade.

 

No primeiro governo de Sócrates houve uma reforma da Segurança Social, realizada pelo então ministro Vieira da Silva. Face ao rápido envelhecimento da população e aos constrangimentos decorrentes da grande dívida pública portuguesa, essa reforma é hoje insuficiente. Mas quando será feita outra? O período eleitoral em que viveremos até às próximas legislativas não ajuda. E seria preciso um consenso entre PS e PSD, que parece inatingível.

Aliás, se o actual Governo, dito ultraliberal e adepto do ‘Estado mínimo’, não conseguiu diminuir significativamente o peso do Estado, apesar do impulso da troika nesse sentido, quem o conseguirá? É certo que o Executivo de Passos Coelho foi travado pelo Tribunal Constitucional, que impediu vários cortes nos gastos do Estado, obrigando à subida brutal dos impostos (atingiram 35% do PIB) para cumprir as metas do défice orçamental. Mas a fraqueza do Governo e a força das corporações também contribuíram para não haver uma reforma do Estado digna desse nome.

 

Talvez a reforma da justiça, onde têm imperado as corporações, seja a excepção que confirma a regra. Mas veja-se, por exemplo, que nem uma fusão de câmaras municipais aconteceu, apesar de estar previsto no memorando assinado em 2011 com a troika que as câmaras passariam para metade. As clientelas partidárias não o permitiram.

Por muitos guiões, discursos e ‘redacções’ que surjam sobre a reforma do Estado, tudo indica ter sido uma oportunidade perdida. Os portugueses, a começar por muitas empresas privadas, continuarão dependentes do Estado. Só que este não tem dinheiro para satisfazer todas as solicitações.

A reforma do Estado é um processo que leva anos a tornar consensual e a concretizar. Processo que verdadeiramente ainda mal começou. Ora em 2015 haverá eleições. E não se vê como o PS, uma vez no governo (se lá chegar), terá a coragem política para inverter o seu discurso, assente na recusa de cortes na despesa pública.