BES Photo 2014: Fotografias fora da caixa

O que cabe num prémio de fotografia? No exposição do prémio BES Photo 2014, aberta ontem ao público, no Museu Colecção Berardo, a fotografia é muito mais do que o registo imediato da realidade e pode ser um filme com banda sonora, impressões imersas em água em caixas no chão, ou a evocação subliminar da…

Com 10 anos de existência, o BES Photo é um prémio de arte contemporânea, não de fotojornalismo, e a apresentação das ideias ultrapassou há muito o formalismo da impressão em papel numa moldura pendurada na parede.

Na quarta edição internacional (foi em 2011 que o prémio se abriu a artistas lusófonos), o júri de selecção, escolheu o português José Pedro Cortes, a brasileira Letícia Ramos e o angolano Délio Jasse. São três trabalhos “muito distintos”, como apresentou aos jornalistas Pedro Lapa, director do Museu Berardo.

José Pedro Cortes (Porto, 1976) diz que o trabalho em que se candidata ao prémio corresponde a “uma espécie de zoom in”. Depois de ter estado nove meses em Telavive , onde publicou um livro sobre quatro mulheres judias que tinham ido dos Estados Unidos para fazer o serviço militar em Israel e acabaram por ficar lá, decidiu aproximar-se do seu espaço mais restrito. Fez um livro sobre a Costa da Caparica, Costa, que foi publicado pela Pierre von Kleist, editora de fotografia criada a meias com André Príncipe.

E o trabalho exposto na sala do Museu Berardo é agora uma aproximação ainda maior ao seu habitat natural. Fotografou exclusivamente no bairro dos Anjos, onde vive, e a maneira como o tempo modifica a arquitectura do lugar: plantas que crescem, ferrugem que se instala. Ao mesmo tempo, criou um espaço “controlado” no estúdio, onde convidou mulheres a posarem. “Há um lado mais clássico, da foto de pose, mas também levanta a questão: como é que a proximidade é intimidade?” A exposição esteve para se chamar O Ano em que Lou Reed Morreu. A frase ecoava-lhe na cabeça enquanto desenvolvia o trabalho. Acabou por chamar-se Um Eclipse Distante e é uma análise sobre a sua prática como fotógrafo, mas está lá como memória do registo mais pessoal, o epitáfio que Laurie Anderson escreveu na morte do marido.

Délio Jasse (1989, Luanda) cruzou  a sua história pessoal com memórias de Luanda e Lisboa. O seu trabalho ‘Ausência Permanente’ exposto em caixas de água no chão é o resultado da sobreposição de uma retrato fotográfico de um anónimo com uma imagem antiga de Luanda com carimbos e registos de documentos. “Mais do que fotografias, eu crio documentos fotográficos”, diz. E o seu trabalho resulta também da sua saga pessoal. Vindo com 18 anos para Lisboa, precisou de 10 para conseguir a nacionalidade portuguesa, embora o seu pai fosse português. “Houve várias complicações burocráticas. A certa altura só tinha válido um passaporte angolano”. A exposição resulta da sua caça sistemática, durante anos, na Feira da Ladra, em alfarrabistas de retratos vendidos com recheios de casa,  e também em arquivos angolanos de imagens antigas. É um trabalho de memória.

A brasileira Letícia Ramos (Santo Antônio da Patrulha, 1976) trabalhou o imaginário científico, retro, dos anos 50. Normalmente ela própria faz e constrói câmaras para cada projecto que fotografa, às vezes faz câmaras com várias lentes. Desta vez foi ao contrário: criou uma paisagem que apresentou a uma câmara. Nós Sempre Teremos Marte tem dois andamentos. Na primeira sala, são imagens captadas em microfilme  de uma pedra. “Mas eu digo que é uma fotografia de um meteorito, um cientista sabe qua não é. Mas nós não temos essa informação”. Na segunda sala está o que considera ser o seu trabalho mais importante até ao momento. Vostok, um filme que evoca os primórdios do cinema, Meliés, a poesia da ficção científica onde a artista criou numa piscina de plástico, num aquário e numa maqueta uma viagem imaginada de um submarino ao lago Vostok, na Antártida onde numa perfuração foram descobertas, em 2013, bactérias pré Idade do Gelo.  Com uma banda sonora criada para o filme por uma orquestra e colagens de vozes de cientistas em entrevistas para rádios.

O vencedor do BES Phot será conhecido a 2 de Julho, após decisão de um júri de premiação de nacionalidade diferente dos artistas em concurso. O prémio tem um valor pecuniário de 40.000 euros.

A exposição ficará patente no Museu Berardo até 7 de Setembro, sendo de seguida apresentada no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.

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