“Do Princípio” apresenta sonoridades que nunca tinha explorado antes. De onde surgiu esta vontade?
Este disco resulta de várias coisas que tive contacto nos últimos anos, principalmente projectos relacionados com música electrónica. Produzi os Miúda com o Fred Ferreira, comprei um sintetizador e, no fundo, percebi que é uma mais valia pode trazer coisas da electrónica para a minha música. Depois também apareceram vários artistas que fazem muito este percurso e foi, por exemplo, a ouvir James Blake que percebi que um sintetizador podia ser usado com muito bom gosto. Tentei fazer um meio-termo: perceber de que maneira me posso aliar às armas que há hoje sem perder o que me caracteriza.
Foi difícil encontrar esse meio-termo?
Mesmo que introduza novas coisas vai soar sempre a mim. O que faço são canções e é aí que me sinto feliz. O que procurei foi descobrir novas maneiras de fazer canções, encontrar novos caminhos de apresentar ou chegar a um refrão. A tensão e a reacção são coisas muito engraçadas de explorar. A parte electrónica veio com os arranjos. Estávamos na sala de ensaio e vem-me à ideia um solo de sintetizador numa determinada canção, um beat noutra. Deixo sempre espaço para essas coisas acontecerem se a música pedir. Não é porque, de repente, já sei usar electrónicas que as uso.
“Do Princípio” sugere um recomeço. É essa a ideia do título?
Pode ter muitas leituras. Adoro a expressão ‘do princípio’ porque nos dá uma ideia de futuro, de qualquer coisa que está prestes a acontecer. E cada album é uma espécie de princípio. Como o disco anterior foi o “Acústico”, uma espécie de best of, fazia sentido o álbum de originais a seguir chamar-se assim.
Tem apelado para que o oiçam como se nunca o tivesse ouvido antes. Porquê?
Peço isso em todos os álbuns. É sempre um bocado utópio, mas também é utópico continuar gravar um disco nos dias de hoje, uma vez que já ninguém o ouve do princípio ao fim.
Tem duas colaborações de peso: Mário Laginha e Jaques Morelenbaum. Como aconteceram?
Estava a ensaiar ‘Sol de Março‘ e percebi que precisava ali de um piano muito bonito e muito bem tocado e achei que era engraçado convidar o Mário Laginha. Liguei-lhe e ele disse-me para lhe mandar a música preparando-me para o ‘não‘. Mas depois respondeu a dizer que tinha adorado. Quando fomos para estúdio foi muito fácil trabalhar com o Mário, porque é uma pessoa estupidamente talentosa, ao mesmo tempo que é estupidamente humilde. Já o Jacques Morelenbaum foi uma ideia do meu agente. Essa música existia só ao piano e à guitarra e o João Pedro disse-me que a canção merecia uma grande orquestração. Sugeriu logo o Jacques, ligou-lhe e mandou-lhe a música por email. Ele aceitou e ficou incrível.
Esta também é a primeira vez que se aventura na produção. Porquê?
Foi acontecendo. Em tempo de crise não há muito dinheiro para grandes produtores e, se escolhesse um produtor, ia querer alguém altamente caro. Como isso não é viável pensei ‘porque não faço eu essa experiência. É uma aventura e é mais barato’.
Para quem vive exclusivamente da música como é o seu caso, a crise tem obrigado a muita ginástica?
Um bocadinho. As pessoas já não concebem comprar discos, nem fazer downloads pagos… Aliás, uma pessoa até fica insultada quando alguém acha que a música deve ser paga e isso torna tudo um bocado difícil. Os músicos têm de se saber adaptar.
Como se separa a preocupação de subsistência da parte criativa?
É não pensar muito no assunto. Se um artista começa a dar importância a isso acaba por entrar em paranóia. Tento abstrair-me dessas frustrações e fazer o que mais gosto. Mas não posso negar que é muito difícil quando olho para o topo de vendas e vejo artistas que para mim são medíocres e só lá estão porque fizeram uma música que é um cliché gigantesco, mas chega às massas. Há coisas que revoltam por dentro, mas é o mundo em que vivemos.
Qual o segredo para não entrar em depressão perante esse cenário?
Acreditar verdadeiramente no meu papel na música. Pessoalmente acalmo muito se for viajar. Quando me vou embora volto sempre um bocadinho mais seguro da postura que devo ter na música, mas é uma constante luta.