Só se justifica quem perde

O meu pai rematava frequentemente as explicações ou desculpas alheias com a seguinte frase: «Só se justifica quem perde». Com o correr dos anos estas palavras parecem-me cada vez mais exactas, aplicando-se não apenas a quem perde um jogo ou uma aposta, mas sobretudo a quem perde o contacto com a verdade, a vergonha ou…

A primeira justificação que lhes ocorre é clássica: «A culpa é dos outros meninos». 

No caso vertente, a culpa foi lançada para a maioria esmagadora dos abstencionistas, taxados de egoístas, indiferentes ou demasiado estúpidos para entenderem a magna importância da Europa.
Ora, basta vermos os resultados eleitorais dessa França que, no século passado, iluminou a longa noite da resignação portuguesa, como farol de liberdade e cosmopolitismo, para entendermos que a Europa está a desmoronar-se. 

E a culpa não é da arruaceira filha do arruaceiro Le Pen, nem dos que desistiram de votar: é dos partidos do chamado arco-da-governação, que mergulharam no aquário dos seus interesses particulares e se desligaram da realidade. Generalizou-se a ideia de que os políticos se servem do poder em lugar de utilizarem o poder para servir. É isso o que as pessoas vêem, e não estão cegas. 
 
A União Europeia nasceu como o paraíso possível, propondo um modelo de social-democracia destinado a redimir o falhanço dos países ditos socialistas e a afastar para sempre o espectro do fascismo. Sucede que o modelo se neo-liberalizou e que o idealizado equilíbrio de poder entre as várias nações nunca se verificou. 
A Europa tornou-se um sistema feudal, com os países do sul na posição de vassalos, pagando tributos aos suseranos do norte.

Acresce que os líderes dos países mais fustigados pela crise têm justificado o incumprimento sucessivo das suas promessas e o agravamento da austeridade como resultantes de exigências europeias ou internacionais. Depois espantam-se, e zurzem nos não-votantes. 

A segunda justificação dos responsáveis partidários é a da vitória: todos ganham. Basta pôr os números em perspectiva – e gastam horas nisso, o que só aumenta o desprezo do povo pela política. Mas não querem perceber. 
Um coro de almas sofisticadas arrepia-se com os excelentes resultados de Marinho e Pinto, definido como «justicialista populista».

De onde lhe terão vindo tantos votos? É simples: de reformados que votavam PS, PSD ou CDS e viram as suas reformas abruptamente cortadas. De gente que votava PS mas, vendo que António José Seguro nunca foi capaz de abrir a boca para defender a política do último Governo do seu partido, acabou por se render à tese mil vezes repetida pelos actuais governantes, de que a culpa dos sacrifícios é da incompetência dos que lá estavam antes. «Pelo menos este não está metido na pandilha, e tem a coragem de apontar a dedo o que está mal», dizia-me uma ex-socialista eleitora do popular advogado.

Entretanto, na Disneylândia da extrema-esquerda, prossegue o concurso que apurará qual é o partido mais giro e mais chique. Para gáudio do PCP, que soma e segue, como se os amanhãs ainda pudessem cantar. 

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