Os eleitores não concordaram. Não houve voto útil nem mudança de página, mas uma vitória inútil do PS, tão inútil e precária que chegou a parecer uma derrota, enquanto a derrota estrondosa da Aliança Portugal – a maior de sempre de uma coligação de direita – acabou quase por saber a vitória. A pressão política deslocou-se vertiginosamente dos partidos derrotados para o partido vencedor, embora por curta e frustrante vantagem, com António Costa a apresentar-se pela terceira vez como candidato à sucessão de António José Seguro.
O desencanto do eleitorado exprimiu-se através da já previsível abstenção – embora persista, para explicar os seus números esmagadores, a absurda desactualização dos cadernos eleitorais –, de uma percentagem elevada de votos nulos e brancos, da pulverização dos votos expressos em múltiplos partidos, do voto de protesto anti-europeu no PCP e, sobretudo, da emergência com uma força que ninguém se arriscara a antever do fenómeno Marinho Pinto.
Foi esse fenómeno, aliás, que terá subtraído ao PS a maioria dos votos que poderiam ter dado à sua vitória uma expressão ‘histórica’ e aberto o caminho a legislativas antecipadas.
Se contra factos não há argumentos, a principal lição a extrair destas eleições é que a vontade de castigar o Governo – e houve, sem dúvida, um castigo muito severo – não se traduziu na confiança necessária numa alternativa socialista.
Pelo contrário, os eleitores preferiram premiar o PCP, pela maior clareza da sua mensagem contra a Europa, e apostar numa incógnita que vive da notoriedade mediática e os arroubos populistas do ex-bastonário da Ordem dos Advogados.
Marinho Pinto é, à nossa escala, uma espécie de Beppe Grillo, o antigo comediante que, no entanto, foi ultrapassado por larga margem em Itália por Matteo Renzi, o jovem primeiro-ministro e líder da esquerda democrática. Curiosamente, Renzi, também um fenómeno mediático, foi o único chefe de um Governo europeu a registar um triunfo efectivamente histórico, enquanto o Presidente Hollande sofria em França uma humilhação devastadora perante a Frente Nacional e, um pouco por toda a Europa, se confirmava a ascensão impetuosa dos partidos eurofóbicos e xenófobos.
Isto sem esquecer os neonazis, com 10 por cento dos votos na Grécia – onde, todavia, os grandes vencedores foram os esquerdistas do Syriza, fazendo valer a inteligência política da sua campanha contra o poder colonial da troika e a submissão ao Tratado Orçamental. A eficácia comunicacional e de protesto do Syriza mostrou, aliás, a distância que o separa do discurso enviesado dos seus parceiros portugueses que não resistiram à divisão dos votos entre o Bloco e o Livre.
O terramoto político que varreu a Europa – e teve o seu epicentro em França, outrora o grande pilar da construção europeia – não poupou Portugal, apesar de não termos de lidar, felizmente, com as tentações do extremismo e do nacionalismo mais desbragado.
E a prova está na convulsão que agora atravessa o (apesar de tudo) vencedor das eleições.
Os eleitores mostraram não confiar no PS de Seguro como futura solução governativa. Mas deverão confiar em Costa, apesar da maior solidez mediática – e aparentemente política – da sua imagem? Para além do contraste das imagens – factor crucial, sem dúvida, mas não absolutamente decisivo –, não existem diferenças significativas entre as ideias e projectos de Costa e Seguro. Finalmente, se o que mais embaraça o PS é a pesada herança socrática e o Tratado Orçamental subscrito pelo partido, Costa encontra-se, pelo seu percurso político, mais refém dessa herança do que Seguro.
Evidentemente, o triunfalismo exibido por Seguro e Assis na noite eleitoral deixou trair a vulnerabilidade de ambos, quando se impunha uma leitura mais objectiva dos resultados conseguidos pelo PS. Mas que dizer dos anteriores avanços e recuos de Costa na disputa pela liderança do partido? Não haverá nesta contenda um óbvio excesso de fulanização, um arrastar de conflitos pessoais vindos de longe e nunca resolvidos, com uma componente quase freudiana?
De qualquer modo, chegadas as coisas a este ponto, o melhor para o PS – e para o país – é que elas se resolvam de uma vez por todas. Nesse sentido, o maior disparate que Seguro pode cometer é tentar impedir ou adiar o confronto clarificador. Se o PS deixar arrastar por mais tempo este conflito politicamente obscuro, então estará a oferecer de mão-beijada à coligação de direita uma segunda vida para as próximas legislativas.