Portugal esteve em cinco Mundiais. Fomos bons, maus e vilões

A selecção portuguesa teve Eusébio e Figo, mas também Saltillo e sarilhos. Hoje tem Ronaldo. Das lágrimas de 1966, às vergonhas de 1986 e 2002, passando pela esperança de 2006 e aflição de 2010. E agora Brasil?

Mundial-1966

Um cão herói, os palavrões de Otto e as lágrimas de Eusébio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foi a primeira experiência de Portugal num Campeonato do Mundo. Foi em 1966 e ninguém esquece. Porque foi tão bom quanto traumático. Bom porque tivemos os golos de Eusébio (sim, o 5-3 à Coreia), e traumático porque tivemos as suas lágrimas logo a seguir à eliminação com a Inglaterra. Antes houve o puxão de orelhas do seleccionador Otto Gloria e a frase de José Augusto.

"Otto Gloria não nos perdoou. Disse-nos, com estas palavras: ‘Seus filhos da puta, vocês deram-me a maior alegria de ter ganho aos meus irmãos brasileiros e agora estão a perder com uma equipa da Walt Disney", referindo-se aos coreanos. 

Foi um Mundial sem jogos ao domingo – por motivos religiosos, os desportos eram proibidos nesse dia em Inglaterra e só passou a ser permitido a partir de 1973. Geoff Hurst foi o herói da selecção inglesa ao marcar o polémico golo na final à Alemanha (a bola entrou ou não?), mas o herói da nação foi Pickles, o cão rafeiro que encontrou a taça da prova, roubada de uma exposição no Westminster Central Hall. Capturados, os ladrões recusaram-se a revelar o seu paradeiro, mas Pickles farejou algo enrolado nuns jornais perdidos em South London.

 

Mundial-1986

O ‘caso Saltillo’ ou uma das páginas mais negras do desporto português

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para se atestar a sua importância, fique a saber que o ‘caso Saltillo’ tem uma entrada na Wikipedia. E diz isto: "O Caso Saltillo foi uma rebelião e greve dos jogadores da selecção nacional de futebol de Portugal, durante o Campeonato do Mundo de Futebol de 1986, que se realizou no México. O nome deriva da cidade mexicana de Saltillo, onde a equipa portuguesa estava alojada". 

Esta é a primeira parte. A seguinte é mais curta: "Para alguns amantes do futebol em Portugal, Saltillo representa uma das páginas mais negras do desporto português".

O que se seguiu foi uma entrada de leão – vitória sobre a Inglaterra (1-0, golo de Carlos Manuel); e saída de sendeiro – derrota ante Polónia (0-1) e Marrocos (1-3). 

As desculpas? O campo de treinos estava numa encosta e, assim, Portugal treinava num relvado que subia na primeira parte e descia na segunda. Os jogos de preparação foram realizados com equipas amadoras locais. E havia rumores de actividades sexuais com prostitutas.

Ainda mais humor? A selecção portuguesa tinha naquela altura o apelido Os Infantes por referência a um hino humorístico em sua honra, com letra de Carlos Paião, e cantado por Herman José. Nem Futre, uma estrela quase planetária na altura, salvou Portugal.

 

Mundial-2002

Alhos e bugalhos. E um soco no árbitro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O que faz um treinador (António Oliveira) sem dores estar de muletas? E ter o balneário cheio de alhos? As conversas nesse Mundial na Coreia/Japão foram só à volta de bugalhos. Oliveira não largou a superstição e, mesmo curado, recusou-se a tirar as canadianas e ficou no banco com elas – para dar sorte, disse. No balneário, um cheiro insuportável, queixou-se mais tarde Luís Figo.

Para a história ficou um desastre. E uma Coreia inesquecível. Ganhou à Polónia, Portugal, Itália, eliminou a Espanha e ficou em 4.º lugar no Mundial. Que feito. Já os portugueses perderam com (quase) toda a gente e ficaram pela fase de grupos. Primeiro a derrota com os EUA (2-3), depois uma goleada sobre a Polónia (4-0, três golos de Pauleta e um de Rui Costa) e novo desaire com a Coreia do Sul (0-1). Os portugueses não gostaram particularmente desta derrota, até porque acabavam de ser eliminados. E depois?

Depois, o soco de João Vieira Pinto ao árbitro argentino Angel Sánchez. Um dia depois, o juiz da partida confirmaria que João Pinto lhe tinha dado "um soco no estômago, no lado esquerdo, abaixo das costelas", quando lhe mostrou o cartão vermelho aos 26 minutos. Fim do pesadelo.

 

Mundial-2006

A batalha de Nuremberga e um árbitro que mostrou o cartão três vezes ao mesmo jogador

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foi o Mundial com maior número de cartões. Tantos que houve até um árbitro que mostrou três vezes ao mesmo jogador – e no mesmo jogo – o cartão amarelo. O inglês Graham Poll advertiu três vezes o croata Josip Simunic na partida com a Austrália e foi tão estapafúrdio que a FIFA o retirou das finais internacionais que se seguiram.

Mas a partida com mais cartões – ficou conhecida como a Batalha de Nuremberga – envolveu a selecção portuguesa. Nos oitavos-de-final, depois de um grupo limpo só com vitórias sobre Angola (1-0), Irão (2-0) e México (2-1), eis que a Holanda entrou com tudo. O árbitro russo Valentin Ivanov distribuiu 16 cartões amarelos e quatro vermelhos (2 portugueses, Costinha e Deco), estabelecendo um novo recorde de cartões em Mundiais. Ah, Portugal ganhou esse jogo com um golo de Maniche.

Seguiu-se a Inglaterra. Portugal, já com Ronaldo desde o Euro 2004, repetiu a dose e eliminou novamente os ingleses nos penáltis. E novamente com Ricardo na baliza (defendeu três). Se os portugueses repetiram a dose com os ingleses, a França fez o mesmo com Portugal na meia-final: Zidane, de penálti, acabou com o sonho. Para o terceiro lugar, a Alemanha foi mais forte e ganhou (3-1).

 

Mundial-2010

O polvo que acertava mais que Queiroz. "Assim não ganhamos, Carlos!" gritou Ronaldo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O simpático polvo Paul previu com precisão os vencedores de vários jogos do Mundial. Confuso? Um molusco vidente que dentro do aquário adivinhava os resultados. E acertou todos. Acertou mais do que Carlos Queiroz.

Se retirarmos o jogo com a Coreia do Norte – cujos jogadores mal sabem jogar à bola – e a vitória por 7-0, o seleccionador de Portugal conseguiu a proeza de ver a sua equipa não marcar um único golo no resto dos jogos. A zeros com a Costa do Marfim (0-0), a zeros com o Brasil (0-0) e a zeros com a Espanha (0-1). A derrota nos oitavos-de-final foi o adeus. E a despedida a toque de Cristiano Ronaldo, que no final do jogo com os espanhóis mandou um recado letal a Queiroz: "Assim não ganhamos, Carlos!". Foi-se Carlos, entrou Paulo Bento. Até hoje. 

A África do Sul foi também o Mundial do ‘1-0’. Ao todo,  17 partidas (26,6% do total, um recorde) terminaram com a magra vantagem no marcador. A Espanha teve grande participação neste número: cinco dos setes jogos (inclusive a final) tiveram este resultado.

 

Mundial-2014

A hora de Ronaldo?

 

 

 

 

 

 

 

 

Para se ser uma estrela consagrada será sempre preciso um título de campeão do mundo. É a regra. A que Ronaldo não foge. E Portugal pode beneficiar com isso. Sem ele, o título no Brasil seria tão-só uma miragem. Com ele, passa a ser um sonho… baço.

Chega com a Bola de Ouro e Bota de Ouro, de melhor jogador do mundo e melhor marcador de todos os campeonatos europeus, respectivamente. E ainda com a Liga dos Campeões debaixo do braço. É preciso mais? Portugal tem tudo para fazer um grande Campeonato do Mundo. Mas se CR continuar lesionado…

fel@sol.pt