Como recorda o mesmo jornal, são as metas acordadas com a troika que voltam a estar em causa e, sem grandes pruridos, admite que «persistem riscos de um novo resgate a Portugal».
Beneficiários principais, os funcionários públicos, que viram repostos os seus salários na totalidade – quando o Governo tinha prometido devolvê-los progressivamente a partir de 2015, à medida que se consolidassem as contas do Estado.
Ainda com a troika a arrumar os papeis – e pendente o última tranche do programa de assistência –, um órgão não eleito produziu um acórdão claramente político, que divide constitucionalistas, e que invade, sem cerimónia, a vontade do legislador democraticamente eleito.
A quem tenha dúvidas, basta ler esta passagem do acórdão: «Não cabe a este Tribunal contestar a afirmada orientação de que o interesse público na construção das bases da sustentabilidade das finanças públicas deve preferencialmente ocorrer através de medidas de contenção da despesa». Porém, logo a seguir, o texto do TC é bem explícito quanto à orientação que preconiza: «Sem prejuízo de se reiterar que medidas de incidência universal – como são as de carácter tributário – oferecem melhores garantias de fugir, à partida, a uma censura decorrente da aplicação do princípio da igualdade».
Descodificando: a ‘censura’ refere-se ao próprio TC, e as medidas ‘tributárias’ traduzem-se por agravamento de impostos. Ou seja, para os juízes, a protecção do funcionalismo público sobrepõe-se à defesa do contribuinte, já crucificado com uma das mais elevadas cargas fiscais da Europa.
Em nome dos servidores do Estado , o TC argumenta com o «principio da igualdade» e acha «excessivos» os cortes decididos pelo Governo.
Ora, como se poderá invocar a «igualdade» com o sector privado, quando foi deste que saiu a legião de desempregados, forçados a emigrar uns e a sobreviverem outros nas margens da angústia?
E qual é a linha fronteiriça, em termos estritamente constitucionais, entre um corte remuneratório aceitável e «excessivo»? Sem outra baliza, intui-se que a linha divisória será a fasquia dos 1500 euros, anteriormente aplicada. Bem longe do salário médio no sector privado…
Um dos juízes, Maria Lúcia Amaral, vice-presidente do TC, na sua declaração de voto de vencido, foi feliz na síntese, num tom invulgarmente áspero: «Da sua argumentação [do TC] não se pode extrair qualquer critério material perceptível que confira para o futuro uma bússola orientadora acerca dos limites (e do conteúdo) da sua própria jurisprudência».
Passos Coelho, por ter a ‘chave do cofre’, preferiu ‘deitar mão’ ao funcionalismo público – e aos reformados e pensionistas –, elegendo-os como prioridade nos cortes da despesa. Com excepções.
É o caso dos privilégios que não incomodam, aparentemente, os juízes do TC.
Apóstolos devotos da «igualdade» e da «proporcionalidade», citadas nos seus acórdãos, não lhes ocorreu questionarem-se sobre a singularidade do seu estatuto e das regalias de que são titulares, sendo uma das mais relevantes a possibilidade de alcançarem uma reforma vitalícia, e por inteiro, ao fim de 10 ou 12 anos de serviço, consoante as situações de partida.
É justo e proporcional?
Com medo de ser acusado na praça pública de revanchismo face aos ‘chumbos’ do TC, o Governo hesitou, recuou e deixou cair iniciativas legislativas que apontavam no sentido de corrigir esse beneficio. E que faria justiça, em época de moralização de sacrifícios.
Sem bússola está também o PS, com a guerra fratricida que estalou entre António Costa e António José Seguro. Depois do confronto no Vimeiro, o ainda líder percebeu que precisava de deixar a defensiva e saltou da trincheira para uma inusitada entrevista na TVI.
Acossado, Seguro torna-se melhor e ganha uma convicção que contrasta com o seu recorrente discurso mole.
Com Sócrates e o seu séquito alinhados ao lado de Costa – e o venerando Mário Soares a ‘tirar-lhe o tapete’ numa profusão de artigos inquinados, dando largas aos seus ‘ódios de estimação’ –, Seguro recuperou o fôlego e deu um salto em frente.
Costa, que já recuou várias vezes, tem o caminho dificultado, quer para S. Bento, quer para Belém, depois de Guterres ter entreaberto a porta para se candidatar. Talvez possa, entretanto, dedicar-se a Lisboa, onde os munícipes o elegeram, para cumprir o mandato. A menos que Seguro atire a ‘toalha ao chão’, o que também não é de excluir…