A reunião juntou apenas um sétimo do Conselho Europeu, mas ainda assim não foi possível ver todos a remar para o mesmo lado. No lago Harpsund, junto à residência de férias do primeiro-ministro sueco, Angela Merkel reiterou publicamente o apoio à candidatura de Jean-Claude Juncker à presidência da Comissão Europeia, mantendo o braço-de-ferro que travara em privado com os seus homólogos de Reino Unido, Suécia e Holanda.
David Cameron mantém a intransigência em torno da nomeação do luxemburguês. Desde logo porque o facto de o nome de Juncker surgir como candidato do Partido Popular Europeu (PPE) é, na sua opinião, uma interpretação abusiva das alterações previstas no Tratado de Lisboa.
O texto continua a delegar no Conselho Europeu a escolha do líder do braço executivo das instituições europeias. O que há de novo é uma recomendação para que os chefes de Estado ou de Governo dos 28 tenham «em conta os resultados das eleições para o Parlamento Europeu (PE)», órgão que terá de aprovar por maioria o nome escolhido pelo Conselho.
Guerra com o Parlamento
«Os líderes democraticamente eleitos da Europa devem decidir quem lidera estas instituições e não aceitar um processo que nunca foi acordado» – defendeu Cameron em conferência de imprensa, referindo-se à antecipação dos partidos políticos europeus, que apostaram na ideia dos ‘supercandidatos’ para combater as tão recorrentes referências à falta de legitimidade democrática dos dirigentes comunitários.
No Twitter, o britânico celebrou o facto de «todos os grandes partidos do Reino Unido» estarem «unidos num ponto: Jean-Claude Juncker não deve ser presidente da Comissão Europeia». O que, em assuntos europeus, até nem é novidade, ao contrário dos apoios externos que vai somando. «A apresentação de ‘supercandidatos’ não está prevista no Tratado de Lisboa», sublinhou o anfitrião Fredrik Reinfeldt, ao acusar o conceito de «afastar muitos possíveis candidatos a cargos de topo».
Outro grande factor da resistência britânica a Juncker é o passado de eurocrata do luxemburguês. Com papel de relevo em reformas como as de Maastricht, do nascimento do euro ou do combate à crise (ver caixa), Juncker é um acérrimo defensor de uma integração europeia acusada no Reino Unido de ser a causa dos efeitos da crise no Velho Continente.
Cameron prometeu que, se for reeleito no próximo ano, convocará um referendo sobre a filiação europeia do Reino Unido, depois de negociar com Bruxelas a devolução a Londres de poderes perdidos para a UE ao longo dos anos.
«Obviamente que a abordagem da UE daqui até lá será muito importante. Se conseguirmos alcançar as reformas, demonstrar abertura, competitividade, flexibilidade e menos interferência, ajudará. Se a UE não for nessa direcção, não ajudará. É muito simples e óbvio», afirmou o britânico, para irritação de Merkel. «As ameaças não fazem parte do espírito europeu, não é assim que trabalhamos», respondeu a alemã.
Merkel, que concorda com algumas das ideias de Cameron – incluindo restrições à livre mobilidade dos cidadãos como forma de combate ao ‘turismo social’, designação dada ao fenómeno da caça de subsídios estatais de outros países da UE –, também já defendeu que «só um louco vê com indiferença se o Reino Unido aceita ou não, se está presente ou não».
A chanceler repete que apoia Juncker, mas ressalva que «a decisão será tomada num espírito europeu», deixando ainda em aberto a possibilidade de se ver obrigada a apoiar uma segunda escolha, pois Cameron pode estar à beira de conseguir formar uma minoria de bloqueio no Conselho.
Cameron reforçado
O apoio de Suécia, Holanda e Hungria garantem o mínimo de quatro países exigidos para travar a nomeação. Mas só com o italiano Matteo Renzi será exequível uma aproximação à fasquia de representação de 35% da população europeia, também exigida.
Este cenário é possível, até porque Cameron mostra facilidade em somar aliados na outra instituição envolvida no processo. «O grupo de Reformistas e Conservadores Europeus (ECR) alcançou os 55 deputados, ficando a apenas quatro membros da Aliança de Liberais e Democratas Europeus (ALDE)», lia-se na semana passada no site do grupo que Cameron fundou ao retirar o seu partido do PPE.
«David Cameron está a tentar negociar uma UE mais leve e melhor, vamos tentar ajudá-lo», anunciou o líder do Partido dos Finlandeses, ao justificar a decisão de trocar o grupo eurocéptico de Nigel Farage (Europa da Liberdade e da Democracia, EFD) pelo de Cameron – um gesto repetido pelos populares dinamarqueses.
Até dia 24, data final para a formação de grupos, Cameron receberá ainda novos membros, como os Gregos Independentes ou a Alternativa para a Alemanha, defensora do fim do euro. Marinho Pinto e José Inácio Faria, eurodeputados portugueses eleitos pelo MPT, é que já ‘fugiram’ para o grupo liberal (em vez de integrarem Os Verdes, que seriam a sua família natural).