«Por favor, escreva uma dedicatória para a minha ex-namorada que faça com que ela volte para mim. Ela gosta tanto dos seus livros, é a minha última esperança».
Fazemos o melhor que podemos, sabendo que nem esse lança-chamas que era Camilo Castelo Branco conseguiria atear um amor apagado. Dizemos que o amor ressuscitará noutro rosto; os livros servem de bússola na noite do desespero.
«Escreva uma frase que me console. Acabei de enterrar o meu pai».
Os leitores procuram-nos para que os consolemos e para nos consolarem. Incentivam-nos a continuar a escrever, dizem-nos que precisam de nós, que nos entendem, que estão connosco. Nas horas em que o acto de escrever me parece inútil, penso nesses leitores, nos seus olhos transparentes, naquela palavra repetida: «Continue». Todo o consolo é mútuo: entrega, partilha, confiança. Num mundo que continuamente trai, a literatura é uma barragem contra o desamparo. Não ficamos a conhecer os leitores nestes breves encontros da Feira do Livro, mas percebemos que existem e que existimos para eles com aquela força que tantas vezes nos falta.
Sorrio com as opiniões, de ano para ano repetidas, sobre a necessidade de «modernizar» ou tornar «mais atractiva» a Feira do Livro. Organizam-se debates, espectáculos e animações variadas, pensando que desse modo o número de leitores crescerá.
A ideia de que os livros, só por si, não são atracção suficiente, é profundamente antiliterária. E falsa, porque, pelo menos aos fins-de-semana e feriados, a Feira está sempre cheia de gente que ali vai com dois objectivos: ver os livros e conhecer os autores. A Feira deveria ter espaços onde os visitantes pudessem sentar-se e folhear os livros, antes de os comprar – isto, que é o óbvio, não existe. O resto, que existe, é dispersão e desprezo pelos livros, que são a razão de ser da Feira.
Se acaso sobrar uma cadeira numa mesa de autógrafos, os leitores mais afoitos sentam-se, queixando-se precisamente da falta de sítios para se sentarem enquanto escolhem os livros. Então, o escritor arrisca-se a ser alugado por um dador de ficção:
«Vou contar-lhe a minha história, acredite que dá um romance. Fui despedido sem justa causa, de forma ilegal. Acabaram-me com o contrato e ainda me ameaçaram. Não imagina como fui maltratado, as coisas terríveis que fazem às pessoas que não têm padrinhos nem protectores.»
Imagino, sim. Imagino até demasiado bem. Mas a minha imaginação não convence o candidato a protagonista, que me conta com todos os pormenores a sua história, mais um capítulo da narrativa tão contemporânea sobre a mediocridade omnipotente. Pensa que está só e é único na sua desgraça. No entanto, acredita que um livro poderá abanar o estado das coisas e conseguir a vitória do bem sobre o mal.
A escrita tem o dom de cristalizar a felicidade e a dor, fazendo-nos sentir que não vivemos em vão. Por muito que o mal insista em reproduzir-se, a escrita desmascara-o e trava-o, passando a palavra, silenciosamente, de leitor para leitor. Escritores, livros e leitores criam um cordão de liberdade e resistência.
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