Respondeu-me: «Porque isso dava ideia de que os chumbos têm sempre solução. Basta aumentar os impostos e está tudo resolvido. Ora, para lá dos 700 milhões que este chumbo representou, o Governo tem cortes na calha que valem 1800 milhões. E não há impostos que consigam substituir este valor».
E depois de uma pausa, acrescentou: «Nós já cá não temos a troika, estamos por conta própria, e se os mercados percebem que o único caminho possível em Portugal para cumprir o défice é subir os impostos, perdem a confiança em nós. Porque a subida dos impostos vai afogar a economia – e sem crescimento económico torna-se impossível pagar a dívida».
Nova pausa, e o meu interlocutor concluiu: «Isto não é um problema deste Governo, é de qualquer Governo. Sem redução da despesa pública, o país torna-se ingovernável».
A posição do PS a este respeito é dificilmente compreensível.
Por um lado, aplaude a decisão do TC, criticando os cortes que o Governo queria fazer; por outro, promete que não subirá os impostos caso seja Governo.
Ora, como conseguirá baixar o défice?
Sem fazer cortes na despesa pública nem aumentar os impostos, como cumprirá as metas do défice a que Portugal se comprometeu?
Responda quem souber.
O TC cometeu uma terrível gafe ao incluir, no último acórdão, um parágrafo em que aconselhava o Governo a resolver o problema do défice por via fiscal.
Ao dizê-lo, mostrou que tem consciência do problema que os chumbos representam – e que até tem solução para ele.
Acontece que a opção entre fazer cortes na despesa ou aumentar impostos é uma opção política – sendo da competência de um órgão eleito e não de um órgão nomeado.
Até porque é o órgão eleito – o Governo – que no fim do mandato vai responder perante os eleitores, não são os juízes do TC.
Argumenta a oposição que a acção do Governo tem limites e não pode desrespeitar a Constituição.
Há um enorme cinismo nesta afirmação.
Porque toda a gente já percebeu que o problema não é a Constituição – mas o posicionamento político dos juízes, que usam a Constituição para sustentar as suas ideias.
Os juízes do TC não aplicam a Constituição – utilizam-na a seu bel-prazer para justificar a opinião que têm sobre o assunto.
Está escrito em algum lado que o Governo não pode baixar os vencimentos dos funcionários públicos?
Não está.
Só que o TC vai buscar o princípio da igualdade e zás – chumba!
E noutros casos vai buscar o princípio da confiança.
E noutros o princípio da proporcionalidade.
E noutros o princípio da razoabilidade.
E misturando todos estes princípios gerais, qualquer medida – repito, qualquer medida – é passível de chumbo.
Tudo depende não da Constituição mas da opinião dos juízes sobre a medida proposta.
Os juízes do Tribunal Constitucional são hoje uma espécie de sindicalistas dos funcionários públicos, com uma diferença sobre os outros sindicalistas: têm o poder de vetar as decisões do Governo!
Os juízes defendem abertamente os funcionários públicos contra os privados.
Se não fosse isso, podiam pensar: é injusto andarem todos os cidadãos a pagar impostos altíssimos para sustentar um Estado demasiado dispendioso.
Se se colocasse ao lado do contribuinte, o TC podia ponderar exemplos como este: um indivíduo abre um negócio no pressuposto de um determinado nível de impostos – mas, de repente, os impostos sobem, tornando o negócio inviável e arrastando-o para a falência.
Trata-se obviamente de um caso em que o princípio da confiança no Estado foi posto em causa.
Mas os juízes do TC vêem os funcionários públicos com umas lentes e os privados com outras.
Por isso tinha razão José António Lima quando dizia que era mais transparente «os juízes saírem do TC e formarem o partido do funcionalismo público» e irem a votos.
Com os seus acórdãos, em nome do princípio sagrado de impedir que se toque no Estado, o TC tem empurrado constantemente o Governo para carregar nos impostos, estando-se nas tintas para os outros cidadãos, para o estrangulamento da economia e para a própria sustentabilidade do país.
Recorde-se que foi o TC quem há dois anos quase lançou o país no caos ao chumbar os cortes dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários (que estes até tinham aceitado sem grandes protestos).
Atrás do chumbo veio a TSU, grandes manifestações de protesto, crise na coligação – enfim, uma enorme trapalhada, que acabaria numa situação pré-insurreccional.
Curiosamente, os cortes dos subsídios viriam mais tarde a ser aprovados por um tribunal europeu.
Todos os tribunais são iguais – mas uns são mais iguais do que outros…
PS: Nada me move contra os funcionários públicos, antes pelo contrário. Tenho muitos na família, a começar pela minha mulher. Mas é impossível reduzir a despesa do Estado sem mexer nos salários e nas pensões do funcionalismo.