Já Courtney Sanford não teve tanta sorte. Às 08h33, a norte-americana de 32 anos publicou uma selfie na sua página no Facebook com o comentário: “A música 'Happy' deixa-me feliz”. Segundos após ter publicado a fotografia na rede social, Courtney perdeu o controlo do carro e chocou com um camião do lixo. Acabou por morrer no local. “Em apenas uns segundos, uma vida desapareceu só por querer partilhar com o mundo que estava feliz”, afirmou um dos polícias que se deslocaram ao local após o acidente.
O que levou estas pessoas a tirarem tantas selfies e por que lhes dedicam uma tão grande parte do seu tempo?
Raquel Mendes e Ana Rita Mota, duas amigas de 13 anos, são fãs desta prática e encaram-na como uma simples forma de diversão: “É um bom passatempo e é divertido. As selfies fazem-me sentir bonita e bem comigo mesma”, revela Raquel, aluna de uma escola em Sintra. “Quero ocupar o meu tempo com coisas que gosto de fazer e tirar fotografias é uma delas. Só paro quando a minha mãe manda. É um dos meus passatempos preferidos”, explica Ana Rita ao SOL.
Para estas adolescentes, as selfies nada têm que ver com narcisismo ou egocentrismo. No entanto, Raquel admite que um dos aspectos positivos desta prática está relacionado com a auto-estima: “Fazem-nos sentir um pouco vaidosas”, confessa.
Já Tomás Borges, 15 anos, aluno de uma escola de Cascais, tem dois destinos para as suas selfies – o Facebook e o Ask (um chat onde se podem partilhar fotografias e vídeos, havendo a possibilidade de o utilizador se manter no anonimato). Garante que é “rápido” a encontrar a selfie perfeita, mas confessa que a maior parte das que tira são apagadas. “Gosto desta moda. Sempre que queremos podemos tirar uma fotografia a nós próprios sem pedir a alguém que o faça. Não trazem nada de positivo, nem de negativo, são apenas fotografias, nada de especial”, acrescenta.
Usos e abusos
Não é por acaso que a palavra selfie foi considerada o vocábulo de 2013 pelos dicionários Oxford. De acordo com a France Press, a Yahoo estima que sejam tiradas 880 mil milhões de fotografias deste género por ano. E um inquérito realizado pela Samsung mostra que, no Reino Unido, 17% das mulheres e 10% dos homens captam selfies.
No entanto, a prática tem antecedentes – Robert Cornelius, um norte-americano que ajudou a desenvolver o primeiro processo fotográfico a ser comercializado (conhecido como daguerreótipo), foi o primeiro homem a tirar uma selfie, em 1839. Para conseguir esta fotografia, Robert teve de ajustar a lente da enorme câmara fotográfica – que tinha sido criada mais ou menos por aquela altura – e posar em frente da mesma durante cerca de 15 minutos. Se hoje demorasse tanto tempo a tirar uma selfie, o mais provável seria a moda não pegar.
Nos dias que correm, em que o processo de fazer e partilhar uma selfie é quase instantâneo, a prática tem conquistado cada vez mais adeptos de todas as idades. Um deles é Flávia Marques, uma estudante de um liceu em Sintra de 18 anos, que, mal recebeu um iPhone, nunca mais parou de fazer auto-retratos. “É uma moda bastante engraçada e útil, porque às vezes queremos registar aquele momento e não está ninguém disponível para nos tirar uma fotografia”, explica ao SOL. Quanto à 'selfie perfeita', sabe que só surge se estiver no estado de espírito certo: “Se estiver num bom dia, são poucas as imagens que apago, mas se estiver em baixo apago todas e desisto”.
Para Teresa Gomes da Silva, aluna da Escola Superior de Teatro e Cinema, o segredo para alcançar esta foto 'imaculada' está na sua edição. “A fotografia não é só o que a câmara regista”, diz ao SOL a estudante de 19 anos. “Esta prática já existe há muito tempo, desde a altura em que surgiram os auto-retratos, só se generalizou graças às redes sociais”. Teresa acredita que o único cuidado que se deve ter está relacionado com o teor da imagem. No seu entender, as selfies “só trarão consequências negativas se o conteúdo for indecente e se se usar a fotografia de uma forma inapropriada. No geral é uma moda inofensiva”, conclui.
Bruna Crawford, 20 anos, também vê alguns perigos na má divulgação das selfies: “Quando captamos uma imagem de que gostamos, sentimo-nos bem connosco próprios. Talvez por acharmos que aqueles pequenos defeitos que todos temos estão mais escondidos […]. Creio que os aspectos negativos das selfies roçam a questão da privacidade – é muito difícil controlar os níveis de segurança das redes sociais. Há que ter noção de que a internet é um mundo e ter atenção ao tipo de fotos que publicamos. Até porque há todo o tipo de predadores neste meio, por isso não devemos partilhar informações em relação à nossa localização ou detalhes sobre a nossa vida privada”, explica Bruna.
Arma ou moda inofensiva?
Dos jovens com quem falámos, apenas Raquel conhece a história de Danny Bowman. “Ele podia ter cometido uma grande asneira. Não é caso para tanto, é só uma fotografia”, diz ao SOL a adolescente de 13 anos. Uma opinião partilhada por Flávia e Ana Rita: “Ele não devia bater bem da cabeça”, refere a última.
Para Bruna e Tomás, a questão é mesmo essa, mas deve encarada de uma forma séria: “É quase certo que haja muito mais por detrás desse infeliz acontecimento além das selfies”, conclui a jovem.
“As selfies surgem para nos vermos e sermos vistos”, explica a psicóloga clínica Mariana Burnay Teixeira. “É cada vez mais visível a necessidade que os jovens têm de serem cobiçados, desejados e, acima de tudo, aprovados pelo outro”. E tal como o nome (a palavra deriva de 'self', que em inglês significa 'eu'/'o próprio'), a moda pode revelar o lado egocêntrico de alguém. “Mas daí a ser patológico, não”, considera a especialista.
No caso de Danny Bowman, a psicóloga refere: “Não se tentou suicidar por não conseguir tirar a 'selfie perfeita', mas por se ter apercebido de que ele não era perfeito. Nem nunca o poderia ser porque ninguém o é. No entanto, a falha narcísica deste rapaz deveria ser tão grande que ele não terá aguentado”. O problema, portanto, não residiria na fotografia em si, “mas em tudo o que estava para além disso”. “O perigo está sempre na utilização que fazemos delas”, conclui Mariana Burnay Teixeira.
Desejando ver e serem vistos, estes jovens vão continuar a tirar selfies e a partilhá-las nas redes sociais, uns com mais noção dos perigos que os rodeiam, outros com menos. Não será uma fotografia a revelar a perfeição. Para Bruna, trata-se apenas de um divertimento “que nos faz sentir menos sozinhos neste mundo louco”.
As selfies das celebridades
É habitual Kim Kardashian tirar fotografias a si própria em fato de banho, Justin Bieber já o fez em troco nu, Miley Cyrus faz caretas para a câmara e Rihanna ensaia poses provocadoras. Mesmo com todo o mediatismo à sua volta, nem as maiores celebridades resistiram à moda.
Mas a 'rainha das selfies', que muito contribuiu para a notoriedade destes instantâneos, foi tirada por Ellen DeGeneres: a apresentadora reuniu uma série de actores que se encontravam na cerimónia de entrega dos Óscares deste ano e carregou no botão. Meryl Streep, Jennifer Lawrence, Bradley Cooper, Kevin Spacey e o casal Pitt e Jolie foram alguns dos famosos que apareceram no retrato, que foi partilhado por tantos utilizadores do Twitter que fez com a rede social fosse abaixo durante alguns minutos.
Outra selfie que mereceu a atenção dos media foi a de Obama com o primeiro-ministro britânico David Cameron e a sua homóloga dinamarquesa Helle Thorning Schmidt, nas exéquias fúnebres de Nelson Mandela. Na ocasião, a primeira-dama norte-americana também foi apanhada pela câmara com uma cara de 'poucos amigos', o que fez correr rumores sobre a relação do casal Obama. Mas as selfies podem enganar: minutos antes de a fotografia ter sido tirada, Michelle tinha estado a confraternizar e a rir com várias pessoas à sua volta, incluindo os dois políticos que tiraram o auto-retrato com o seu marido.
A moda também já chegou à política portuguesa: o PS não quis desperdiçar a onda das selfies e colocou nos cartazes da campanha para as eleições europeias, que se realizaram no passado dia 25, uma fotografia tirada por Francisco Assis, que abrangia todos os membros da lista socialista. O Correio da Manhã avançou que se trataria de uma “selfie falsa” e que o partido incluíra as caras de alguns elementos que não estavam na imagem original. Independentemente da autenticidade, o 'cartaz selfie' foi espalhado por todo o país. Não é certo que tenha potenciado os votos, mas revelou que o PS é o partido mais atento às novas tendências.