Joana é uma das 14 mil estudantes que frequentam o ensino especial nas escolas públicas e uma das 6.923 (48%) que fazem exames. A maioria dos estudantes com necessidades educativas especiais (NEE) frequenta um currículo alternativo individual e, como têm um processo de avaliação diferente, não são sujeitos a provas.
Um percurso de muito esforço
Entre os que prestam provas, há os que fazem exame nacional – 3.768 no básico e 1.541 no secundário (76 % do total) – e os que fazem um exame de escola, proposto pelos professores mas aprovado pelo Júri Nacional de Exames. Em ambos os casos há adaptações, esclarece o Ministério da Educação e Ciência: “Provas em braille, ampliações, provas em formato digital ou DAISY, utilização de computador, mais tempo de tolerância, reescrita de prova ou equipamento ergonómico”. Estas condições especiais são concedidas pelo director da escola, nuns casos, noutros sujeitas a autorização do Júri Nacional de Exames.
Esta terça-feira, Joana fez exame a nível de escola, numa sala à parte, sozinha, e teve mais tempo para responder às perguntas. Ao fim de pouco mais de 90 minutos de prova, sente-se aliviada e satisfeita. “Correu bem, acho que vou ter 3”, garante à mãe, que a espera à porta da Escola Secundária de Miraflores, em Oeiras. Guilhermina Cruz explica que o percurso escolar da filha foi feito com muito trabalho e acompanhado quase diariamente pelos pais. “Sempre quisemos que estivesse na turma a aprender o mesmo que os outros. Foi sempre a nossa luta: puxá-la para a sala de aula” – conta, garantindo que enfrentou muitas resistências dos professores. Hoje, Joana sabe falar inglês, espanhol, interpretar textos, lê vários livros ao mesmo tempo, conhece a tabela periódica e decora falas de teatro como ninguém.
No primeiro ciclo foi tudo simples, diz a mãe. Mas, à medida que a matéria se complicou, as dificuldades agravaram-se e a “preocupação dos pais também”. A família optou até por adiar a entrada no 5.º ano, retendo a filha no 3.º, para que fosse apanhada pela irmã mais nova e entrasse com ela no liceu. Agora, a irmã Rita também está em exames, mas já no 12.º ano, rumo ao superior.
No terceiro ciclo do ensino básico, o programa educativo individual de Joana definiu que o 7.º, 8.º e 9.º anos fossem feitos no dobro do tempo. “Fez metade das disciplinas num ano e a outra metade no outro. Nos furos do horário, tinha apoio individual”. A segunda metade do 9.º fica agora cumprida com o exame que acabou de fazer mas, aos 20 anos, a jovem precisará de uma positiva a Português para concluir o ensino básico, pois já chumbou a Matemática em 2013. “Mesmo que chumbe, já não vai repetir. É muito desgastante para ela e para nós. Na prática, muito do que aprende não lhe vai servir para nada”, reconhece Guilhermina Cruz, enquanto a filha a puxa por um braço para se ir despedir dos professores.
O futuro de Joana não deverá passar por uma profissão tradicional, embora a mãe acredite que tem capacidades para desenvolver algumas tarefas. “O sonho dela é casar e ter filhos. E ser actriz” – conta, orgulhosa, mas ansiosa em relação ao futuro, como todos os pais de crianças com deficiência. O próximo passo é ingressar num curso profissional de teatro, de três anos. “Depois, logo se vê”.
Críticas às reformas
A história de Joana é um caso de sucesso, comenta Júlia Serpa Pimentel, da associação Pais em Rede e professora no Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA).
“O que ela faz não corresponde à maioria das pessoas com Trissomia 21. É a prova de que as pessoas são diferentes mesmo que tenham o mesmo diagnóstico”. Por isso, “não podem ser os médicos a diagnosticar as necessidades escolares destes alunos”, acrescenta a especialista em ensino especial, reagindo à intenção do Governo de atribuir aos profissionais da saúde a identificação dos problemas dos alunos do ensino especial. “É um grande erro definir os apoios consoante o diagnóstico médico. Têm de ser fixados consoante as características das pessoas”, defende. “E não é no gabinete médico que as crianças mostram o que sabem, mas no seu meio natural”.
A intenção de “envolver o Serviço Nacional de Saúde na identificação, avaliação e acompanhamento das necessidades de apoio terapêutico das crianças e jovens” consta do relatório do grupo de trabalho mandatado pelo Ministério da Educação para repensar a educação especial. E também não agrada à Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. “É muito imprudente. Devemos partir da CIF (classificação internacional de funcionalidade) mas esta não é um instrumento de avaliação educacional. É como se fosse uma fotografia do aluno e a aprendizagem um filme”, diz David Rodrigues. Para o presidente da associação, “o verdadeiro critério de elegibilidade para a educação especial tem de ser as características das crianças”.
Alunos 'especiais' duplicaram
Outra conclusão daquele grupo foi que, entre 2011 e 2013, duplicou o número de alunos no ensino especial (14.273) e que “20 a 30% não têm necessidades educativas especiais permanentes, mas apenas dificuldades na aprendizagem”. Isto deverá levar a alterações no subsídio de educação especial, já contestadas por pais, professores e sindicatos.
Júlia Serpa Pimentel acredita que as escolas “'penalizaram' a avaliação de algumas crianças para que pudessem caber nesta categoria e, assim, aceder a apoios que de outra forma não teriam”. A perda de apoios tão contestada pelos pais este ano, acrescenta, explica-se porque “aumentaram as crianças, mas os recursos ficaram os mesmos”.