A pesada herança

Somos um país singular. Pressente-se uma espécie de ‘lei das séries’ no desfile frenético de polémicas. Sobrepõem-se e ocupam o espaço público, num desafio ao bom senso. Mal se esgota uma  logo aparece outra…

Sobram os temas de primeira página. Esfriada a histeria mediática que acompanhou o desgraçado comportamento da Selecção no Mundial, as atenções voltam a concentrar-se em redor de duas famílias desavindas: a dos Espirito Santo, uma ‘bolha’ subterrânea que emergiu em força, e a do PS, que nos oferece episódios bizarros temperados de boa intriga.   
Se a primeira é uma novidade enquanto ruptura, embora há muito falada, a segunda é o costume, porque na oposição são escassas as sinecuras. 

Ricardo Salgado criou uma teia complexa e transformou o BES no ‘banco do regime’, com o qual soube atravessar as mais diversas conjunturas, de braço dado com os poderes do dia. 

Foi uma aliança tácita, transversal a vários governos, atraindo ao Grupo a cumplicidade de não poucos actores políticos, na órbita dos partidos do arco da governação.

Se  outrora o  Banco de Portugal – durante o consulado de Victor Constâncio – tivesse actuado com a mesma firmeza discreta, talvez o país e os contribuintes não  fossem chamados a participar no descalabro do BPN, evitando ainda as angústias dos investidores que acreditaram no ‘retorno absoluto’ do BPP. 

Mas Constâncio tinha outras prioridades e  obediências  de conforto e de carreira. Acabou premiado por Sócrates,  com o luminoso assento no BCE.

Verificou-se, afinal, que não faltam ao banco central instrumentos  para actuar como supervisor e regulador, desde que queira e saiba exercer todas as suas competências. 

A segunda cizania familiar, que invadiu o espaço público, é a do PS, a ferver de golpes e contra-golpes, com António José Seguro e António Costa no ‘fio da navalha’, dividindo sem nenhum deles conseguir reinar. 

O ainda presidente do município – pseudónimo de um cargo para o qual  foi eleito pelo voto ingénuo dos lisboetas  – está a ficar tremido nas suas ambições de tomar conta do partido. Voltou a perder na Comissão Nacional e viu Maria de Belém negar-lhe o congresso extraordinário.   

A encenação surreal do Tivoli, onde compareceu acolitado pelo venerando Mário Soares e pelos súbditos socráticos,  não lhe serviu de nada. 

Ao ostracizar a ‘vitória pequenina’ do PS nas eleições europeias, Costa ainda se arrisca a recuar em grande, como já lhe aconteceu no passado recente, por ter subestimado a combatividade do líder quando o querem levar ao tapete . 

Sejamos claros: mesmo com todo o apoio dos media  –  que gostam do seu tempero de esquerda –, a investida inopinada de António Costa é feia e começou mal,  ao aproveitar-se de uma homenagem pública a Maria José Nogueira Pinto – onde estava como edil –, para anunciar os seus desígnios à chefia do PS e de um futuro Governo.   

Nas casas dos Espírito Santo e dos socialistas, os telhados são agora de vidro e as familias ajustam contas. Ambas têm patriarcas activos que não se acomodam nem abdicam.  Ricardo Salgado e Mário Soares são duas faces da mesma moeda. Ambos se sentiram um dia ‘donos de tudo isto’. E não se conformam com o fim de ciclo.  Pesada herança…