No essencial, o tribunal deu como provados todos os factos constantes da acusação do Ministério Público (MP), nomeadamente que ambas as magistradas, entretanto expulsas do MP, fizeram inúmeras pesquisas na base de dados e no sistema de gestão de inquéritos do MP (que regista os processos-crime) sobre informações pessoais e sigilosas de mais de 400 pessoas (entre elas juízes, procuradores e ex-directores da Polícia Judiciária) que depois forneceram a José Lorosa de Matos, outro arguido neste processo – um burlão cadastrado que, fazendo-se passar por ‘Vasco Chambel’ (um inspector da Interpol), seduziu as magistradas e com elas manteve, em momentos diferentes, um relacionamento amoroso.
Através dos dados pessoais de dois cidadãos facultados pelas ex-procuradoras, entre 2005 e até 2010, o arguido, que estava fugido da cadeia de Pinheiro da Cruz, conseguiu forjar e usar bilhetes de identidade e cartas de condução com essas identidades (mas onde colocava a sua fotografia), que lhe permitiram circular livremente em Portugal e em Espanha.
“As arguidas tinham obrigação de saber que não podiam fazer estas pesquisas. Qualquer um de nós se sentiria muito inseguro se qualquer procurador do MP pudesse pesquisar, de forma particular, dados da nossa vida”, sublinhou a juíza Rosa Brandão, que presidiu ao colectivo.
“Estamos perante paixões e fragilidades emocionais que levaram as arguidas a aderir a esta relação, temos isso presente, e admitimos que, num primeiro momento, pudessem ter tido dificuldades de discernimento, mas tudo tem de ter um fim”, disse a magistrada, realçando que, a partir de determinada altura (Junho de 2009), as arguidas tomaram consciência de quem era na verdade Vasco Chambel. Nesse mês, Sílvia pediu à Polícia a ficha biográfica de José António Lorosa. O documento continha a fotografia do homem com quem andava envolvida desde 2008 e, nesse momento, percebeu que se tratava de um foragido. Mesmo assim, a cumplicidade manteve-se por mais alguns meses e tanto Sílvia Marques Bom como Sónia Moreira, com quem o arguido se relacionou meses antes, continuam a fazer pesquisas para o beneficiaram e “protegeram”. Sónia Moreira chegou a viajar para o Reino Unido e para Espanha ao encontro do falso coordenador da Interpol para lhe entregar alguns documentos forjados.
“Não temos dúvidas de que as arguidas foram envolvidas por José Lorosa, que tem uma personalidade forte e manipuladora e que se aproveita da fragilidade emocional das mulheres”, mas “ao fim de algum tempo a situação não podia ter continuado”, frisou a juíza, criticando o facto de ambas terem violado deveres funcionais enquanto procuradoras, nomeadamente quando foram ao Instituto da Mobilidade e Transportes pedir explicações sobre os atrasos na emissão das cartas. “É algo totalmente inexplicável”.
Ao contrário de José Lorosa de Matos, que foi condenado a cinco anos de prisão efectiva por vários crimes de falsificação de documento, as ex-procuradoras viram o tribunal suspender-lhes a pena, uma vez que já tinham sido alvo de uma “sanção disciplinar muito pesada” (expulsão do MP).