Rattin tornou-se logo conhecido, no entanto. Ficou para história dos mundiais por um acto de indisciplina tão anódino quanto inútil. Ou melhor, por vários: jogavam-se os quartos-de-final da prova em Londres, e a equipa da casa ia sendo intimidada por lances viris dos visitantes. O árbitro, alemão, foi fazendo vista grossa às reclamações do capitão, mas às tantas perdeu a paciência e expulsou-o.
Rattin demorou uma eternidade a sair do campo, e quando o fez não recolheu às cabinas – preferiu sentar-se no tapete vermelho que dava acesso ao relvado, de uso exclusivo da rainha de Inglaterra…
A Inglaterra seguiria em frente com um resultado mínimo (1-0), alguns lances mesmo duvidosos e a monarquia ofendida.
Nesse ano de 1982, já com Maradona a dar um ligeiro aperitivo dos lances que o iriam impulsionar ao título no mundial seguinte – e a guerra das Malvinas em curso – um outro vilão seguiria para as páginas da história do futebol. E foi preciso usar a cabeça – num dos jogos mais desestabilizadores da adrenalina de quem o viu, o Alemanha-França das meias-finais, o guarda-redes alemão Harald Schumacher divide um lance com o defesa francês Patrick Battiston. A jogada estava 'morta', tal como quase aconteceu com Battiston.
Num impulso inexplicável, Schumacher atirou-se com toda a força para cima do defesa, que caiu inanimado no chão. Platini, então um dos principais talentos da selecção francesa, confessou que julgava que o colega estava morto. Battiston entrou em coma, foi parar ao hospital, e ainda teve de esperar alguns dias por Schumacher, que lhe foi pedir as devidas desculpas. Mas o lance é arrepiante de ver, ainda hoje (o lance pode ser visto em http://youtu.be/3byTNRoxujo).
Noutras ocasiões, aliás em muitas delas, a lesão é simulada. Muitos comentadores elegem a do croata Slaven Bilic, o célebre treinador que gosta de heavy metal e que encoraja os jogadores a ouvirem este género musical como forma de motivação. Mas, nos idos de 1998, ele ainda jogava à defesa na sua selecção, que acabou em 3.º nesse mundial disputado em França.
No jogo da meia-final, disputado contra a equipa da casa, Bilic preparava-se para apontar um livre concedido à sua equipa. Antes, tentou agarrar Laurent Blanc, num daqueles lances anódinos usados pelos jogadores para intimidar o adversário. Blanc tentou soltar-se, e ao fazer o movimento – sem a mínima intenção de agredir Bilic – passou com o queixo rente ao peito do croata. Bilic atirou-se imediatamente ao chão, agarrado à cabeça…
Mas se todo o mundial que se preze tem o seu vilão, muitas vezes esse papel confunde-se com o do herói, mesmo que estejamos a falar do mesmo jogador. É o caso de Maradona, um dos melhores de sempre. Foi claramente um músico solista na 'orquestra' argentina que venceu o torneio de 1986, no México, mas a ascensão terminou em queda a pique. Em 1994, disputava já o seu quarto mundial nos EUA, com um título e um vice-campeonato na bagagem. Nos jogos da primeira frase, a sua exuberância em campo acompanhava, inevitavelmente, os lances de génio.
A festa acabou num controlo antidoping. O capitão argentino tinha consumido efedrina, uma substância estimulante que está presente em algo tão ridículo quanto gotas para o nariz. Maradona foi expulso da competição e banido dos campos de futebol. Já tinha passado dos 30 anos e essa acabou por ser uma reforma antecipada e amarga.
O vício da cocaína, revelado pouco tempo depois, serviria para lhe retirar ainda um pouco mais de aura. Na época da efedrina, a imprensa das pampas ainda urdiu uma série de teorias da conspiração, ao melhor estilo dos tablóides ingleses. Todos eram culpados, o médico da selecção, os dirigentes, a FIFA. E até Bill Clinton, presidente dos EUA na época e a CIA estariam envolvidos no complô…
O francês Zinedine Zidane não passou por experiências tão extremas. Mas acabou a carreira de campeão mundial e europeu com um vice-campeonato em 2006, perdendo para a Itália na final e sendo expulso, devido à célebre cabeçada sobre o central italiano Marco Materazzi.
O lance é tão da memória colectiva que acabou por ser imortalizado numa estátua, que esteve no Centro Pompidou em Paris e exposta em Doha, no Qatar. Materazzi, que não levou a mal, até tirou uma fotografia ao lado dela e postou no Twitter a frase lapidar: “Adoro quem odeia”.
Outros craques podem ser enumerados como grandes heróis dos mundiais. Mas a vida, tão linear e bem-comportada, faz de Pelé, Puskas, Di Stéfano, Cruyff – que, apesar de tudo, fazia observações bem críticas sobre a política do franquismo, quando jogou no Barcelona -, ou até Eusébio, campeões no terreno e na consciência.