Uma das expressões mais populares do futebol é uma citação de Cervantes do seu famoso Dom Quixote – 'No creo en brujas, pero que las hay, las hay'. Não é por acaso: o resultado no desporto-rei é muitas vezes decidido por um capricho da sorte. Como a bola que bate no poste e vai para fora de um lado, e do outro tabela na trave e cai dentro da baliza.
É por isso normal que, entre jogadores, treinadores e dirigentes, exista quem acredite que pode alterar o rumo dos acontecimentos com uma mãozinha do sobrenatural. Colocando de lado questões de fé religiosa ou bruxaria pura e simples, e uma vez que o Mundial está ao rubro, nada como começar por um dos intérpretes mais famosos da competição: Mário Zagallo.
Campeão do mundo como jogador (1958 e 1962), treinador (1970) e coordenador técnico (1994), Zagallo é também conhecido pela sua fixação com o número 13 – o mesmo que para muitos é sinónimo de azar. Tudo por causa da sua esposa, Alcina, nascida num dia 13 de Outubro e devota de Santo António, festejado a 13 de Junho. Depois de a conhecer abandonou o 11 na camisola para abraçar o novo número. E foi morar para um 13.º andar.
Antes do Mundial de 1994, nos Estados Unidos, antecipou à revista VEJA: “Ganhei pela primeira vez em 58. Cinco mais oito dá treze. E vou ganhar em 94. Nove e quatro são treze também. O desporto não é uma ciência exacta, há factores fora do nosso controlo”. E não é que o Brasil ganhou mesmo nos States?
Johan Cruyff, que esteve no Mundial de 1974 enquanto jogador, foi outro crente nos poderes da superstição. O holandês tinha o hábito de esmurrar a barriga do guarda-redes Gert Bals antes de entrar no relvado, onde cuspia a pastilha para o meio-campo adversário – uma vez esqueceu-se e o seu Ajax perdeu 4-1 com o AC Milan. O lado desagradável da questão é que foi numa final da Taça dos Campeões Europeus.
Mais tarde, na pele de treinador, Cruyff mudou radicalmente de ideias e chegou a declarar que a melhor forma de lidar com um jogador supersticioso era não o colocar em campo no jogo seguinte.
Reduzir a ansiedade
Eddie O'Connor, da Associação para a Psicologia Desportiva Aplicada, tem uma justificação lógica para que tantos homens do futebol adoptem a táctica do irracional. “As superstições servem muitas vezes para reduzir a ansiedade ao criar a ilusão de controlo. Baixam o nervosismo e fazem o atleta sentir que está a fazer algo para melhorar a sua exibição”, explica.
Há rituais para todos os gostos. O inglês Bobby Moore, capitão da única selecção inglesa campeã do mundo (1966), só vestia os calções quando todos os elementos da equipa já o tivessem feito – certa vez, alguém tentou enganá-lo mas o defesa não se atrapalhou e tirou os calções para os voltar a vestir e ser mesmo o último.
Já o italiano Gennaro Gattuso, que para dar sorte lia umas páginas de Dostoievski antes de entrar em campo, teve de sofrer para conquistar o título mundial em 2006: “Usei sempre a mesma camisola que vesti no primeiro dia, suei horrivelmente e fiquei com um humor de cão porque não era capaz de tirá-la. E antes do jogo contra a República Checa fiz as malas para voltar para casa”.
Como deu certo, repetiu o acto até à vitória final. Uma estratégia seguida no Mundial de 1990, em Itália, pelo guarda-redes argentino Sergio Goycochea, através de outro 'recurso' fisiológico que não a transpiração: teve vontade de urinar antes de um desempate por penáltis e acabou por se aliviar no círculo central, escondido pelos companheiros; e repetiu a acção nas meias-finais frente à Itália, com igual sucesso – o azar da Argentina e a sorte da Alemanha foi que a final ficou decidida nos 90 minutos do tempo regulamentar, com um golo de Brehme.
Beija-me a careca
Da França campeã do mundo em 1998 ficou uma imagem icónica: o beijo do central Laurent Blanc na careca do guarda-redes Barthez. Mas havia mais: os jogadores sentavam-se sempre no mesmo lugar no autocarro e ouviam a canção 'I Will Survive' antes de entrarem em campo.
Ainda assim menos penoso do que uma das “50 superstições” que o defesa internacional inglês John Terry diz ter. Por exemplo, ouve sempre o mesmo CD no carro, que estaciona no mesmo sítio no parque do centro de treinos do Chelsea. Num encontro da Liga dos Campeões frente ao Barcelona, em 2005, perdeu as caneleiras que usou durante dez anos. Mas como o jogo correu bem com umas que Frank Lampard lhe emprestou, depressa encontrou novo amuleto.
Os jogadores ingleses são um almanaque de superstições: o antigo avançado Gary Lineker nunca rematava à baliza durante o aquecimento para não esgotar o stock de golos; o defesa Leighton Baines, que esteve neste Mundial, vai até à meia-lua e, com a baliza à sua esquerda, desata e volta a atar os atacadores; e Phil Jones, também da actual equipa, calça primeiro a meia no pé esquerdo ou direito consoante o jogo seja em casa ou fora.
Outro que foi ao Brasil é o marfinense Kolo Touré, para quem os últimos são os primeiros. É por isso que é sempre o derradeiro jogador a entrar em campo – nem que tenha de deixar a equipa reduzida a nove, como sucedeu quando jogava no Arsenal e se recusou a começar a segunda parte enquanto o seu colega Gallas recebia assistência.
Entrar no fim é também uma superstição de Cristiano Ronaldo, mas só a pode alimentar no Real Madrid, uma vez que como capitão português é obrigado a ser o primeiro nos jogos da Selecção. Já o seu colega em Espanha Iker Casillas não larga o hábito de tocar na trave sempre que a sua equipa marca um golo – mas, pelo menos, já não usa as meias do avesso como fez durante anos. E dar umas beijocas também é ritual: o espanhol Fàbregas fá-lo quatro vezes no anel que a namorada lhe deu e o uruguaio Luis Suárez nas tatuagens com os nomes dos filhos.