A inexperiência política de Renzi (distinguira-se como presidente da Câmara de Florença, sem ter ocupado qualquer cargo governativo em Roma), não constituiu até agora o tremendo handicap que tantos lhe auguravam. Mas, pelo contrário, parece funcionar como uma notória vantagem em relação aos hábitos enquistados da política italiana. Frescura, audácia, inspiração nos gestos e nas palavras que rompem com os petrificados rituais romanos – e europeus – têm sido o motor da afirmação da já chamada ‘renzomania’. Que falta faz um Renzi ao nosso PS!
Evidentemente, o sucesso fulgurante de Renzi não é estranho a um culto febril da mediatização e da política-espectáculo – que fora também, em tempos idos, o grande trunfo de Berlusconi –, suscitando desconfiança e hostilidade entre os seus adversários da esquerda e da direita.
O recurso a fórmulas comunicacionais de recorte publicitário e efeito electrizante, sugestivamente iconoclastas, tem funcionado até agora com impacto demolidor. Mas não seria surpreendente que, com eventuais tropeções e desaires nas audaciosas reformas que Renzi se propôs introduzir a ritmo galopante na esclerosada política romana, o estado de graça do novo primeiro-ministro começasse a desvanecer-se.
Renzi corre riscos sérios na sua corrida acelerada contra os obstáculos e é legítimo suspeitar que os menospreza, com a arrogância olímpica de quem chega, vê e vence.
Seja como for, a novidade do fenómeno já fez abalar as muralhas decrépitas da velha Europa. E se algum sinal de esperança é ainda possível descortinar, através do pesado desencanto que se abateu sobre o continente, esse sinal é protagonizado vigorosamente por Renzi. Perante o crepúsculo e a inércia da esquerda tradicional europeia, ele parece ter encontrado o diagnóstico certeiro para levantar os ânimos adormecidos e ultrapassar a fatalidade do dogmatismo austeritário imposto pela Alemanha.
Desde logo, diz coisas tão simples e evidentes como estas: «A Europa de hoje é a do aborrecimento», uma Europa «submersa em números e sem alma». A verdade é que, antes de Renzi, ninguém se lembrara de caracterizar assim o ‘estado de alma’ europeu: o de um aborrecimento insuportável. Uma referência hoje ainda mais oportuna, no momento em que a Itália assume a presidência semestral da União Europeia.
Se uma andorinha não faz a primavera, não basta o voluntarismo de um Renzi para transformar a Europa do aborrecimento numa Europa reconciliada com o sonho que animou a fundação dos seus alicerces nos anos do pós-guerra. Em todo o caso, respira-se já um novo ambiente. Jean-Claude Juncker, conservador mas europeísta convicto, acabou por ser designado presidente da Comissão Europeia apesar das resistências dos eurocépticos do Norte e de todos quantos pretendiam eternizar a tutela régia dos Governos sobre o Parlamento Europeu (PE).
Trata-se, apesar de tudo, de uma simbólica viragem histórica a favor da legitimidade política democrática que fora, até agora, subtraída ao PE. Não por acaso, a designação de Juncker – conforme regras que valorizam a instância de decisão parlamentar europeia – acabou por ser saudada por todos os quadrantes políticos, dos conservadores à esquerda radical representada pelo Syriza, com excepção, obviamente, dos eurofóbicos e do Reino Unido.
Aliás, foi o histérico encarniçamento britânico contra Juncker que viria a reforçar o significado da escolha do novo presidente da Comissão. E é ao Reino Unido que cabe assumir as consequências do seu isolamento e da sua possível saída da União Europeia.
Se a Grã-Bretanha sempre cultivou uma visão minimalista e contristada da sua relação histórica com o continente, reduzindo a Europa a um mero espaço de comércio livre, não é aos restantes europeus que cabe abdicar de um projecto político integrador para satisfazer as nostálgicas fixações insulares da antiga Rainha dos Mares. Se este desfecho empobrece gravemente o património comum de civilização entre os dois lados da Mancha, é sempre preferível a clareza da separação à ambiguidade e ao preço espúrio de uma identidade forçada (e/ou rejeitada).