PS, um partido rachado ao meio

Quando António Costa anunciou a sua candidatura à liderança do PS, muitos comentadores acharam que iria ser uma disputa interna igual a tantas outras.

Pareceu-me logo que não seria assim. Porque havia um fantasma a pairar sobre o Partido Socialista que iria complicar imenso as coisas. Refiro-me a José Sócrates.Que nunca se conformou com a sua queda e, após uma breve passagem por Paris, regressou para ajustar contas com o passado. E aí reside boa parte do problema.

Recorde-se que, quando António Costa teve há um ano e meio aquela falsa partida para disputar a liderança, o argumento que invocou foi que «António José Seguro não conseguia representar as várias sensibilidades do PS».
Descodificando a frase, a ideia era esta: Costa acusava Seguro de discriminar os socráticos, por se recusar a assumir a herança política de José Sócrates.

António Costa surgiu, pois, como um defensor dos direitos daqueles que se tinham batido ao lado de Sócrates (pelo que Pedro Silva Pereira aparecia sempre atrás dele). Ora, essa ‘aliança’ tácita entre Costa e Sócrates, no sentido de trazer os seus apoiantes de volta à primeira linha do PS, provocou naturalmente grandes divisões internas. Sócrates é o tipo de pessoa de quem se gosta ou que se odeia. Relativamente a ele, não há meias tintas. E António Costa sabia disso.

Na semana passada, um destacado defensor de Seguro, António Galamba, dizia ao SOL que muitos apoiantes de António Costa desejam «o regresso ao passado». Ou seja, desejam voltar ao tempo em que Sócrates pontificava, e à política que ele personificava. Este vai ser o tema central da campanha no Partido Socialista. O fantasma de Sócrates vai estar sempre presente. 

Seguro vai usá-lo à saciedade: «Querem mesmo que o PS ande para trás? Volte ao tempo de Sócrates e aos 28% que ele teve?». E será também esta a questão mais bicuda que António Costa terá para resolver. Ele não pode enxotar os socráticos, mandá-los para longe; mas também sabe que eles representam um fardo incómodo.

Não só para esta campanha interna mas para as próximas eleições legislativas. A reabilitação do ex-primeiro ministro por parte do PS será usada impiedosamente pela direita. Se os socráticos voltarem a lugares de destaque no partido, a direita terá o caminho livre para dizer aos eleitores: «Nós tirámos o país do buraco em que o PS o enfiou e querem voltar à mesma política? Querem ter de novo Sócrates a mandar, agora na sombra? Querem passar outra vez pelo mesmo?».

Manuel Alegre, Almeida Santos, Vera Jardim e outros senadores socialistas apelaram na semana passada à contenção na luta interna, mas isso é impossível. Faço um parêntesis para estranhar que essas figuras tenham ficado tão incomodadas com os insultos de militantes socialistas a António Costa, mas não tenham mostrado qualquer incómodo com os insultos ao Presidente da República no 10 de Junho e noutras ocasiões. Para eles, parece que o PS é mais importante do que o país.

Mas voltando ao PS, o apelo dos senadores está condenado ao insucesso, por uma razão muito simples: esta é uma luta de morte. É como as lutas de galos nas Filipinas: um tem de morrer. E por isso não haverá tréguas nem punhos de renda. Seguro sabe que, se perder, não voltará a ser ninguém no Partido Socialista. Terá de se afastar – e a vingança dos partidários de Sócrates tenderá a ser terrível. E Costa sabe o mesmo: se perder esta batalha, não terá nova oportunidade.

Depois de dois avanços em falso, se for derrotado à terceira terá a sua carreira política no PS comprometida.
Ao contrário de outras disputas pela liderança, que não produziram divisões irremediáveis (Aguiar-Branco e Paulo Rangel foram opositores de Passos Coelho nas eleições internas do PSD mas têm hoje posições de destaque no partido), esta vai rachar o Partido Socialista de alto a baixo. Ai de quem perder! Ai dos apoiantes do candidato derrotado!  Também por isso a luta ao nível das bases está a ser tão feroz.

P.S. Há oito dias escrevi que Ricardo Salgado tinha feito mal em apontar um sucessor, e que este devia resultar de um consenso entre a família e os accionistas do BES – e ser apresentado como tal. É isso que vai agora acontecer. Para bem do banco.